Ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1946, Hermann Hesse se firmou como um dos maiores escritores de língua alemã de todos os tempos. Nascido na
cidade de Calw em 02 de julho de 1877, residia na Suíça, tornando-se seu cidadão
em 1923, após o término da Primeira Guerra Mundial. Faleceu em 09 de
agosto de 1962 na pequena cidade de Montagnola, sendo, por certo, seu mais
importante habitante entre a população de pouco mais de dois mil habitantes.
Entre seus livros mais importantes estão Sidarta (1922) e O
Lobo da Espete (1927), ambos publicados no Brasil pela Ed. Record. O livro Demian,
porém, também merece destaque.
Publicado originalmente em 1917, ainda durante a I Grande Guerra, também
é conhecido pelo título de O Caderno de Sinclair (Record, 1984) sendo este o nome de
seu protagonista.
Escrito em primeira pessoa é um romance de formação, apresentando um
rapaz com muitas dúvidas em busca de afirmações para sua vida.
Desde o início do livro o tema dualidade está presente, deparando-se o
jovem Sinclair com o conforto e segurança de seu lar e seio familiar, em contraposto às
dificuldades e obstáculos do crescimento para a vida adulta.
Durante a narrativa o mundo encantador e luminoso é confrontado com o
mundo perverso e sombrio, e no meio desse turbilhão de sentimentos, surge a
figura de Max Demian, menino um pouco mais velho que Sinclair mas que passa a
exercer sobre ele uma poderosa influência através de seu comportamento resoluto
e questionador, agindo como se fosse um adulto.
É Demian quem livra Sinclair de sua submissão a um outro jovem, Kromer,
que o chantageia em decorrência de uma história inventada pelo próprio
Sinclair, colocando-o em uma situação da qual ele não tem coragem de se
livrar. Demian, então, afasta Kromer do caminho de Sinclair, por motivos que não
são esclarecidos no livro:
“É difícil explicar, mas foi assim. Vi-me de repente livre das redes
infernais que me aprisionavam, vi diante de mim novamente o mundo claro e
risonho, e deixei de sentir os acessos de terror e as palpitações que me
afogavam.
(...)
Toda a lona história da minha culpa apagou-se de minha memória com
admirável rapidez, sem aparentemente nela deixar cicatrizes ou quaisquer
vestígios.” (Pág. 54)
Esse fato aproxima ainda mais os amigos e faz com que tenham grandes
diálogos sobre questões filosóficas e religiosas, como, por exemplo, o sinal de
Caim, marcado por Deus por ter assassinado seu irmão Abel, o preferido do
Criador. Esse sinal era uma marca física ou representava a culpa que Caim teria
que levar por toda sua vida, visto que Deus preferiu não o punir com a morte?
Assim a dualidade permanece no enredo, estabelecendo diferenças e
dúvidas sobre o que é permitido e o que é proibido.
Quando Sinclair vai estudar fora de sua cidade, uma nova fase se inicia.
Ele se distancia de Demian e do calor de seus pais e irmãs, passando a viver
uma vida de excessos etílicos, embebedando-se com frequência e deixando de lado
seus estudos, quase ao ponto de ser expulso da escola.
Essa vida desregrada somente é superada quando passa a conviver com
Pistórius, organista de uma capela ao caminho da casa de Sinclair e musicista
fantástico. É através dele que nosso protagonista é apresentado à Abraxas, um
deus da dualidade assim definido por Pistórius:
“Meu caro Sinclair, nosso deus se chama Abraxas e é deus e demônio a um
só tempo; sintetiza em si o mundo luminoso e o obscuro. Abraxas nada tem a opor
a qualquer de seus pensamentos e a qualquer de seus sonhos. Não se esqueça
disso.” (Pág. 126)
Novamente a dualidade está presente, agora como um deus representado pela imagem de um homem com cabeça de galo, pernas em forma de cobras, barriga grande, rabo cheio de nós, que carrega na mão direita o sol e na esquerda um chicote
E assim segue a narrativa entre o bem e o mal, o claro e o escuro, o
sagrado e o profano!
O texto apresentado por Hesse conta com mais de 100 anos e continua
atual. Os encontros e desencontros de Sinclair e Demian, a relação quase amorosa,
a paixão platônica do narrador pela mãe do amigo, os sonhos, a guerra para a
qual são chamados e toda reflexão sobre o certo e o errado, tornam o livro uma leitura instigante. Vale conhecer!
CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, professor e advogado. É autor do livro "Na Linha da
Loucura", editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura).
E-mail: clhadv@hotmail.com.
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