Pular para o conteúdo principal

"Onde os velhos não têm vez", Cormac McCarthy


SANGUE E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA

Cristian Luis Hruschka

 

McCARTHY, Cormac. Onde os velhos não têm vez, 2ª ed., Rio de Janeiro: Alfaguara, 2023, 229 páginas (Tradução: Adriana Lisboa).

 

Visceral!

Lançado em 2005, o romance “Onde os velhos não têm vez”, de Cormac McCarthy, é violento, direto e sensacional.

Falecido em junho de 2023, McCarthy é considerado um dos maiores escritores norte-americanos dos últimos tempos. Ficou conhecido por romances com alto grau de violência e economia de detalhes. O livro “Onde os velhos não têm vez”, reeditado pela Ed. Alfaguara, é prova disso.

Ambientado no Texas, na divisa com o México, a trama avança com velocidade, narrando a fuga de Llwelyn Moss (veterano do Vietnã) do “carniceiro” Anton Chigurh, o qual, por sua vez, é perseguido pelo xerife Ed Tom Bell, já com certa idade e desanimado com o aumento da violência na região.

Tudo começa quando Moss, durante uma caçada na região árida próxima ao México, se depara com o resultado de um acerto de contas mal resolvido entre traficantes. Alguns estão mortos e há muito sangue no local. Lá ele encontra uma valise com dinheiro, da qual se apropria achando que estava fazendo um grande negócio, sem saber, no entanto, que seu inferno estava apenas começando. É aí que ganha destaque Chigurh, uma espécie de assassino de aluguel contratado por um dos chefões do narcotráfico para recuperar a valise. Seus métodos, contudo, não são dos mais católicos e, por vezes, a morte de uma pessoa é decidida no cara ou coroa.

Anton Chigurh é violento e caminha no encalço de Llwelyn Moss, incansavelmente. Em um verdadeiro ambiente de faroeste urbano, as ações se passam na década de 80, McCarthy não perde o ritmo em nenhum momento.

Ainda que seja econômico em travessões, vírgulas e descrições de ambientes, que pode não agradar muito, McCarthy conduz o leitor de maneira veloz e objetiva. Ao contrário dos escritores da escola romancista, exagerados no sofrimento amoroso, lírico e sentimental, o grande escritor norte-americano é objetivo, sem rodeios e vai direto ao ponto.

“O homem segurava uma pequena pistola na altura do cinto. Chigurh saiu para o vão da porta e atirou nele na garganta com uma carga de chumbo calibre dez. Do tamanho que os colecionadores usam para pegar espécimes de pássaros. O homem caiu para trás sobre a cadeira giratória derrubando-a e caiu no chão e ficou ali se contorcendo e gorgolejando. Chigurh pegou o cartucho fumegante de cima do tapete e colocou no bolso e entrou na sala com a fumaça pálida ainda saindo da lata pressa a extremidade do dano serrado. Passou por trás da mesa e ficou olhando para o homem no chão. O homem estava caído de costas e estaca com as mãos sobre a garganta mas o sangue vazava sem parar entre seus dedos e caia no tapete. Seu rosto estava cheio de pequenos furos mas o olho direito parecia intacto e ele olhou para Chigurh e tentou falar com a boca onde o sangue borbulhava. Chigurh abaixou apoiado num dos joelhos e se apoiou na espingarda e olhou para ele. O que foi? ele disse. O que você está tentando me dizer?” (pág. 147/148)

O título do livro remete ao Xerife Bell, descendente de uma linhagem de xerifes, que não consegue se antecipar às ações de Chigurh no encalço de Moss. Ele é o “velho” do título e luta, dentro do possível, contra a violência crescente na região. Suas impressões são narradas em primeira pessoa no livro, abrindo diversos capítulos, e as demais cenas transcorrem em terceira pessoa. É através do xerife Bell que o McCarthy entra na trama, passando suas impressões sobre o cenário dos acontecimentos, bem como sua frustração e desapontamento com o que está ocorrendo.

O livro de McCarthy foi parar nos cinemas, porém, em vez dos “velhos” não terem vez, quem passou a não ter vez são os “fracos”. Pois é! No Brasil o filme ganhou o título de “Onde os Fracos não têm Vez”, que tira um pouco o sentido do livro. O filme arrebatou nada menos que quatro Oscars em 2008: melhor filme, melhor ator coadjuvante para Javier Bardem (com aquele penteado ridículo!), melhor diretor (Ethan e Joel Coen) e melhor roteiro adaptado, este último mais do que merecido, visto que o filme é muito fidedigno ao livro.

No filme o xerife Bell é representado por Tommy Lee Jones e Josh Brolin (quem lembra dele em Os Gonnies?) interpreta o audacioso Llwelin Moss.

Para quem gosta de suspense, perseguições, sangue e violência, “Onde os velhos não têm vez” é um prato cheio! Além do ritmo alucinante o autor ainda consegue abordar temas reflexivos como o aumento da violência, a barbárie dos métodos utilizados, a banalidade dos crimes, impotência das leis e de como os fins passam a justificar os meios, com Chigurh passando por cima de tudo e de todos para recuperar a valise e os dólares que movimentam o narcotráfico.

O livro é muito bom e justifica a fama de Cormac McCarthy.

Dica: McCarthy também é autor de “A Estrada”, ficção pós-apocalíptica que igualmente foi parar nos cinemas sob o mesmo título, com participação de Viggo Mortensen no papel principal, além de Robert Duvall, Guy Pierce e Charlize Theron.

CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, professor e advogado. Autor do livro "Na Linha da Loucura", Ed. Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.


Gostou da resenha? Comente conosco.

Quer adquirir o livro? 

COMPRE NA AMAZON ATRAVÉS DESTE LINK E AJUDE A MANTER O BLOG EM ATIVIDADE

Comentários

Outras postagens ✓

"Mossad - Os Carrascos do Kidon", Eric Frattini

EM NOME DE ISRAEL Cristian Luis Hruschka FRATTINI, Eric. Mossad os carrascos do Kidon: a história do temível grupo de operações especiais de Israel. 1a. Ed., São Paulo: Ed. Seoman, 392 pág. Referenciado por uns e considerado por outros como sendo um grupo terrorista de Israel, o Mossad consiste no mais avançado e treinado serviço de investigação israelense. Criado em 1951, teve como proposta inicial vingar os judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente seis milhões, e combater os inimigos de Israel em todo e qualquer lugar do planeta. O "Kidon", por sua vez, é a unidade "secreta"do Mossad, este vinculado ao Metsada, responsável pelas operações especiais de Israel. Sua norma básica de atuação é: "Não haverá matança de líderes políticos; estes devem ser tratados através dos meios políticos. Não se matará a família dos terroristas; se seus membros se puserem no caminho, não será problema nosso. Cada execução tem de ser autoriza...

"O Homem Nu", Fernando Sabino

UM POUCO DE SABINO E SUA OBRA Cristian Luis Hruschka O HOMEM NU, Fernando Sabino, 38ª. ed., Rio de Janeiro: Ed. Record, 1998, 192 p. Conheci a obra de Fernando Sabino (1923-2004), em dezembro de 2006. Até então só tinha ouvido falar de seus livros sem ter me arriscado a ler algum deles. Bendita hora em que comprei “A Faca de dois Gumes” (Ed. Record, 2005), na praia, em uma banca de revistas. Foi paixão à primeira vista, ou melhor, à primeira leitura. O livro é maravilhoso, composto das novelas “O Bom Ladrão”, “Martini Seco” e “O Outro Gume da Faca”. Uma trilogia prodigiosa que leva o leitor a duvidar do certo e do errado, colocando-o no lugar dos personagens e ao mesmo tempo censurando suas atitudes. Li o livro em uma pegada. Dias após retornei à mesma banca de revistas para comprar “O Encontro Marcado”, livro mais importante da obra de Fernando Sabino, traduzido para diversos idiomas pelo mundo afora e que já ultrapassa a 80ª. edição aqui no Brasil. Não tinha mais jeito,...

"Opisanie Swiata", Veronica Stigger

UMA VIAGEM FANTÁSTICA Cristian Luis Hruschka STIGGER, Veronica. Opisanie Swiata. São Paulo, Cosac Naify, 2013, 160 pág. O livro de Veronica Stigger começa quando Natanael envia para Opalka uma carta solicitando que o venha visitar, pois, enfermo, quer conhecer seu pai antes da morte, inclusive encaminhando-lhe as passagens e dando recomendações para a viagem. Natanael, porém, vive na Amazônia e Opalka na Polônia. Essa jornada entre os continentes é relatada de forma magistral pela autora em seu novo livro, "Opisanie Swiata", lançado pela Editora Cosaf Naify e vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura como o melhor livro de romance do ano de 2013. Quando recebi o livro pelos Correios, minha primeira compra na Amazon, confesso que achei um tanto carregado nas ilustrações. Porém, assim que avançamos na leitura, as fotos e panfletos reproduzidos situam o leitor no tempo da narrativa e as páginas de cores diferentes contribuem na condução da trama. A história não é contad...

"A Vida Real", Fernando Sabino

SABINO EM SONHO A VIDA REAL, Fernando Sabino, 2ª. ed., Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1963, 209 pág. Acabo de ler "A Vida Real", do escritor mineiro, morto em 2004, Fernando Sabino. Meu exemplar, particularmente, é guardado com carinho. Adquirido em um sebo, é o livro nº. 3975 da 2ª. edição (out/1963) - a primeira teve apenas 500 exemplares e foi lançada em 1952, quatro anos após Sabino regressar ao Brasil de Nova York (dessa permanência resultou o livro "A Cidade Vazia"). "A Vida Real" é composta de cinco novelas, tendo como tema central "a emoção vivida durante o sono". Diferente do que ocorre em diversos outros de seus livros, Fernando Sabino não procura narrar situações do cotidiano, optando por abordar questões subjetivas e dramas pessoais passados pelas personagens. O estilo claro, limpo e objetivo, característico dos textos de Sabino está presente, garatindo uma leitura agradável e ágil. Vale a leitura para conhecer um outro lado do aut...

"Guia Literário para Machos", Caléu

LETRAS FRATURADAS Cristian Luis Hruschka MORAES, Caléu Nilson. Guia Literário para Machos , Florianópolis: Ed. UFSC, 2017, 117 pág. Catarinense da pequena cidade de Santa Cecília, Caléu nos apresenta um livro desconfortante. É que os contos que integram “Guia Literário para Machos” deixam o leitor incomodado, perplexo pela linguagem direta e vulgar, mas animado para continuar com a leitura e acompanhar a saga sexual do personagem narrador. “Guia Literário...” foi vencedor do Prêmio Silveira de Souza 2015, promovido pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, e certamente mexeu com os jurados. Já no primeiro conto (“Poeta Viado”) se verifica a agressividade do estilo de Caléu, usando e abusando de palavrões e narrativas sexuais que deixariam Christian Grey e seus 50 Tons de Cinza passarem vergonha por muito tempo. Aliás, perto das situações (posições!) descritas por Caléu, E. L. James não passa de uma ginasiana. O escritor Carlos Henrique Schroeder, resp...

"Jeito de Matar Lagartas", Antônio Carlos Viana

ACIDEZ PARA A MATURIDADE Cristian Luis Hruschka VIANA, Antônio Carlos. Jeito de Matar Lagartas, Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2015, 168 páginas. O gênero conto está retornando ao gosto da leitura dos brasileiros. Esquecido por alguns anos, o País penou nesse campo literário, com poucos autores de qualidade. Entre eles está o sergipano Antônio Carlos Viana, autor de "Jeito de Matar Lagartas", lançado em 2015 pela Companhia das Letras. Famoso pelos seus livros anteriores, em especial "Cine Privê" (2009) e "Aberto está o Inferno" (2004), o escritor representa o que há de melhor no conto literário nacional. Com linguagem objetiva, frases bem construídas e o uso apurado das palavras, utilizadas de maneira precisa, sem carregar o texto, a leitura se torna rápida e prazerosa. Estes são, aliás, os objetivos dos contistas, que procuram reunir num texto reduzido elementos como introdução, por meio da apresentação dos personagens, tempo e lugar, desen...

"Geração do Deserto", Guido Wilmar Sassi

A SAGA DOS PELADOS Cristian Luis Hruschka GERAÇÃO DO DESERTO, Guido Wilmar Sassi, Porto Alegre: Ed. Movimento, 1982, 175 pág. Em nova incursão ao sebo (garimpando, garimpando…), encontrei uma pérola da literatura catarinense. Escrito por Guido Wilmar Sassi (1922/2003), e tendo sua primeira edição em 1964, “Geração do Deserto” se apresenta como uma das mais importantes obras de nosso cenário literário. De forma romanceada, o autor aborda na narrativa a conhecida Guerra do Contestado, evento ocorrido entre 1912 e 1916, envolvendo aproximadamente 20 mil caboclos (pelados), contra as forças constituídas do Governo Federal e Estadual (peludos). A batalha recebeu esse nome por ter sido travada na região de disputa territorial entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, sendo que cidades como Caçador, Lages e Canoinhas (SC), ainda guardam vestígios do conflito. Com linguagem regionalista e objetiva, o autor nos apresenta a personagens como Boca Rica, Mané Rengo, Liveira, Rica...

"Einstein no Espaço-Tempo", Samuel Graydon

BREVE HISTÓRIA DE UM GÊNIO Cristian Luis Hruschka GRAYDON, Samuel. Einstein no Espaço-Tempo: a vida de um gênio em 99 partículas , Rio de Janeiro: Sextante, 2024, 304 páginas (Tradução: André Fontenelle).   “Eu quero minha paz. Quero saber como Deus criou o mundo. Não estou interessado neste ou naquele fenômeno, no espectro disto ou no elemento daquilo. Quero saber o que Ele pensa, o resto são detalhes” (Albert Einstein)   Muito já se escreveu sobre o gênio da física e dificilmente alguma biografia conseguirá esmiuçar de maneira detalhada toda a vida de Albert Einstein (1879-1955). O livro de Samuel Graydon certamente não tem essa pretensão, porém, apresenta uma viagem deliciosa sobre a jornada desse importante cientista. O livro é dividido em 99 capítulos curtos e objetivos, que não respeitam, necessariamente, uma ordem cronológica definida. Contudo, como não poderia ser diferente, começam com o nascimento e crescimento de Einstein, assim como seu difícil iní...

"Depois do Último Trem", Josué Guimarães

LITERATURA RECOMENDADA Cristian Luis Hruschka GUIMARÃES, Josué. Depois do Último Trem, 2a. ed., Porto Alegre: Ed. L & PM, 1979, 141 pág. O Estado do Rio Grande do Sul sempre apresentou ótimos escritores. Érico Veríssimo na prosa e Mário Quintana na poesia, com certeza os maiores representantes. Outros estão meio esquecidos, mas suas obras não podem ser deixadas de lado. Josué Guimarães é um deles. Nascido na cidade de São Jerônimo (RS), teve uma vida movimentada. Trabalhou em diversos jornais de âmbito nacional, sendo perseguido durante o regime militar, quando esteve na clandestinidade escrevendo por meio de pseudônimos. Falecido em 1986, deixou um grande número de obras, adultas e infantis. Seus livros de maior expressão são "Enquanto a noite não chega", reconhecido pela crítica como obra máxima, "Dona Anja", "Tambores Silenciosos" e "Camilo Mortágua". Lembrei de seu nome quando estava lendo o artigo do Alberto Mussa no suplemento ...