ROMANCE EM BATE-PAPO
FRANÇA JÚNIOR, Oswaldo. Jorge, um Brasileiro, 1ª ed., Rio de janeiro: Ed. Bloch, 1967, 269 pág.
Sempre fui avesso às listas dos mais vendidos. Desconheço se os clássicos de hoje fizeram parte de alguma relação no passado (se é que existia) que indicasse se tratar de uma obra indispensável, tampouco com qualidade literária. Por esse motivo, gosto de garimpar em sebos livros que já estão esquecidos pela nova geração mas que não podemos deixar de mencionar em virtude da qualidade de suas palavras. Um exemplo dessa boa literatura é "Jorge, um Brasileiro", do escritor mineiro Oswaldo França Júnior, que adquiri pelo simbólico valor de R$ 5,00 (cinco reais). Um absurdo, quanto mais por se tratar da primeira edição.
Nascido em 21 de julho de 1936 na cidade do Serro, Estado de Minas Gerais, França Júnior foi cedo para a cidade do Rio de Janeiro (RJ) onde se tornou piloto da Força Aérea Brasileira. Expulso em 1964 por ocasião do golpe militar implantado no Brasil, foi para Belo Horizonte (MG), onde passou a exercer a função de taxista. Faleceu jovem, em 1989, vítima de um acidente de carro na cidade de João Monlevade (MG), região onde se passam diversos trechos do livro ora comentado.
Dono de uma técnica narrativa surpreendente, Oswaldo França Júnior cria um personagem fantástico, cujo caráter pode ser percebido pela própria conversa que ele tem com o leitor. O livro, desde o início, se passa em verdadeiro tom de bate-papo, algo tão aprazível para o mineiro. Exemplo disso é encontrado já no parágrafo inicial:
"...Você sabe como é. E ela se assentou na minha frente e cruzou as pernas. E ficou falando comigo, e perguntando como tinha sido tudo. E eu com aquêle cansaço e sem querer falar nada, mas só querendo ficar quieto e sentindo o corpo como se estivesse com sono. E ela falando e com o vestido branco deixando ver as pernas até em cima. As pernas dela estavam com aquela côr de pele queimada pelo sol, mas que você via que estavam muito douradas para ter sido apenas o sol. E também havia chovido sem parar aquêles dias todos. Ela era uma mulher distinta. Só pelo modo de cruzar as pernas, você via que ela era uma mulher distinta."
O que se segue na narrativa são as dificuldades passadas por Jorge para cumprir a tarefa que lhe fora confiada pelo senhor Mário, seu chefe, de ir até a cidade de Caratinga (MG) trazer oito carretas carregadas de milho para Belo Horizonte (MG), impedidas de seguir viagem pela estrada original visto as fortes chuvas que a danificaram. Admirado e respeitado por todos os caminhoneiros da firma, Jorge então nos conta as agruras sofridas para chegar até as carretas e trazê-las por estradas do interior, atravessando pontes precárias, cortando barrancos e passando por severos transtornos com os caminhões. Quando acredita que irá chegar no prazo estabelecido, depara com um barreira na cidade de Ipatinga (MG) e se vê impedido de seguir viagem. Lá, enamora-se com uma moça de um bar e permanece com ela até retomar viagem. Chega em Belo Horizonte com quase uma semana de atraso e depara com uma situação diferente daquela que havia quando partiu. Como que desprezado pelo seu chefe, por quem Jorge nutria enorme admiração e fidelidade canina, tem seus pertences retirados do local em que dorme junto à garagem dos concreteiros, levando-o a tirar satisfações com o contador da empresa e depois seguindo para a residência do chefe, porém, não o encontrando, apenas sua mulher, Helena. Nessa ocasião, desgostoso com a situação e sabedor de que sua existência era superior aos prazos que lhe foram impostos, insatisfeito com o tratamento que lhe fora dispensado após o calvário passado para trazer as carretas até Belo Horizonte (MG), aproxima-se da mulher do patrão e a beija de maneira profunda para depois sair. Com o beijo Jorge liberta-se de todos problemas sofridos, mesclando vingança e liberdade, para no final confessar: "E digo para você que não gosto mais nem de lembrar dessas coisas, e só me lembro mesmo, quando alguém chega e a gente fica batendo papo. Porque, você sabe, a gente não consegue ficar conversando muito tempo, sem no fim falar do que a gente já fêz, ou do que a gente já foi".
Livro para ser lido de um só fôlego, é objeto de estudo e rendeu ao seu autor a consagração. Adaptado para o cinema, também serviu de inspiração para o seriado Carga Pesada. Quando lançado pela Edições Bloch em 1967, foi vencedor do Prêmio Walmap, que tinha na comissão julgadora nada menos que Guimarães Rosa, Jorge Amado e Antônio Olinto, este responsável pelo prefácio que menciona: "Em jeito de conversa, [França Júnior] ergue um mundo. As frases se alongam, os períodos se encompridam, as palavras se juntam e, dentro de um pouco, está o leitor à vontade dentro do universo de motoristas de caminhão, de máquinas, de chuva, de pontes caídas, que o romancista engenha."

Sempre fui avesso às listas dos mais vendidos. Desconheço se os clássicos de hoje fizeram parte de alguma relação no passado (se é que existia) que indicasse se tratar de uma obra indispensável, tampouco com qualidade literária. Por esse motivo, gosto de garimpar em sebos livros que já estão esquecidos pela nova geração mas que não podemos deixar de mencionar em virtude da qualidade de suas palavras. Um exemplo dessa boa literatura é "Jorge, um Brasileiro", do escritor mineiro Oswaldo França Júnior, que adquiri pelo simbólico valor de R$ 5,00 (cinco reais). Um absurdo, quanto mais por se tratar da primeira edição.
Nascido em 21 de julho de 1936 na cidade do Serro, Estado de Minas Gerais, França Júnior foi cedo para a cidade do Rio de Janeiro (RJ) onde se tornou piloto da Força Aérea Brasileira. Expulso em 1964 por ocasião do golpe militar implantado no Brasil, foi para Belo Horizonte (MG), onde passou a exercer a função de taxista. Faleceu jovem, em 1989, vítima de um acidente de carro na cidade de João Monlevade (MG), região onde se passam diversos trechos do livro ora comentado.
Dono de uma técnica narrativa surpreendente, Oswaldo França Júnior cria um personagem fantástico, cujo caráter pode ser percebido pela própria conversa que ele tem com o leitor. O livro, desde o início, se passa em verdadeiro tom de bate-papo, algo tão aprazível para o mineiro. Exemplo disso é encontrado já no parágrafo inicial:
"...Você sabe como é. E ela se assentou na minha frente e cruzou as pernas. E ficou falando comigo, e perguntando como tinha sido tudo. E eu com aquêle cansaço e sem querer falar nada, mas só querendo ficar quieto e sentindo o corpo como se estivesse com sono. E ela falando e com o vestido branco deixando ver as pernas até em cima. As pernas dela estavam com aquela côr de pele queimada pelo sol, mas que você via que estavam muito douradas para ter sido apenas o sol. E também havia chovido sem parar aquêles dias todos. Ela era uma mulher distinta. Só pelo modo de cruzar as pernas, você via que ela era uma mulher distinta."
O que se segue na narrativa são as dificuldades passadas por Jorge para cumprir a tarefa que lhe fora confiada pelo senhor Mário, seu chefe, de ir até a cidade de Caratinga (MG) trazer oito carretas carregadas de milho para Belo Horizonte (MG), impedidas de seguir viagem pela estrada original visto as fortes chuvas que a danificaram. Admirado e respeitado por todos os caminhoneiros da firma, Jorge então nos conta as agruras sofridas para chegar até as carretas e trazê-las por estradas do interior, atravessando pontes precárias, cortando barrancos e passando por severos transtornos com os caminhões. Quando acredita que irá chegar no prazo estabelecido, depara com um barreira na cidade de Ipatinga (MG) e se vê impedido de seguir viagem. Lá, enamora-se com uma moça de um bar e permanece com ela até retomar viagem. Chega em Belo Horizonte com quase uma semana de atraso e depara com uma situação diferente daquela que havia quando partiu. Como que desprezado pelo seu chefe, por quem Jorge nutria enorme admiração e fidelidade canina, tem seus pertences retirados do local em que dorme junto à garagem dos concreteiros, levando-o a tirar satisfações com o contador da empresa e depois seguindo para a residência do chefe, porém, não o encontrando, apenas sua mulher, Helena. Nessa ocasião, desgostoso com a situação e sabedor de que sua existência era superior aos prazos que lhe foram impostos, insatisfeito com o tratamento que lhe fora dispensado após o calvário passado para trazer as carretas até Belo Horizonte (MG), aproxima-se da mulher do patrão e a beija de maneira profunda para depois sair. Com o beijo Jorge liberta-se de todos problemas sofridos, mesclando vingança e liberdade, para no final confessar: "E digo para você que não gosto mais nem de lembrar dessas coisas, e só me lembro mesmo, quando alguém chega e a gente fica batendo papo. Porque, você sabe, a gente não consegue ficar conversando muito tempo, sem no fim falar do que a gente já fêz, ou do que a gente já foi".
Livro para ser lido de um só fôlego, é objeto de estudo e rendeu ao seu autor a consagração. Adaptado para o cinema, também serviu de inspiração para o seriado Carga Pesada. Quando lançado pela Edições Bloch em 1967, foi vencedor do Prêmio Walmap, que tinha na comissão julgadora nada menos que Guimarães Rosa, Jorge Amado e Antônio Olinto, este responsável pelo prefácio que menciona: "Em jeito de conversa, [França Júnior] ergue um mundo. As frases se alongam, os períodos se encompridam, as palavras se juntam e, dentro de um pouco, está o leitor à vontade dentro do universo de motoristas de caminhão, de máquinas, de chuva, de pontes caídas, que o romancista engenha."
Comentários
Postar um comentário