UMA MADRUGADA DE FRIO E DELÍRIOS
Cristian Luis Hruschka
NAZARIAN, Santiago. Neve Negra, São Paulo: Cia das Letras, 2017, 248p.
Muitas vezes desprezada pela crítica especializada, os livros de terror e horror não costumam ganhar destaque. Sua importância está restrita a poucos escritores, na imensa maioria internacionais, que se erguem como os grandes representantes do gênero. Entre eles está, indiscutivelmente, Stephen King, autor de clássicos como Zona Morta, It - A Coisa, O Cemitério e À Espera de um Milagre. Podemos destacar, também, aqueles que iniciaram o gênero na literatura universal e até hoje servem de inspiração para novos escritores, como Edgar Alan Poe, H. P. Lovecraft, Robert Louis Stevenson, Bram Stocker e tantos outros.
Terror e horror são expressões que se assemelham, mas quando se trata de gênero literário possuem algumas distinções importantes. Em regra, o terror está associado à aspectos psicológicos, emocionais, onde o escritor envolve o leitor em uma trama bem elaborada mas sem fatores sobrenaturais, estes destinados ao gênero horror. Para exemplificar: Jogo Perigoso, de Stephen King é terror; Frankenstein, de Mary Schelley, é horror.
No Brasil o gênero é pouco explorado, contudo, ganha luzes no último livro de Santiago Nazarian, Neve Negra.
Conseguindo manter um ritmo acelerado durante toda a trama, Neve Negra pode ser considerado um verdadeiro enredo de cinema. Bruno Schwartz, renomado artista, valorizado internacionalmente por suas pinturas, ao retornar para sua cidade natal, a fictícia Trevo do Sul, localizada na gelada serra catarinense, imerge em uma madrugada de loucura e piração.
Julgando estar voltando para o conforto do lar, cuja casa já fora ocupada por seu pai e avô, depara com um filho absorto e agindo de maneira estranha. Tentando encontrar um motivo para essa reação do rapaz, atribui o comportamento dele à constante ausência do pai, tema abordado ao longo de toda narrativa. Pesando que sua mulher está dormindo, desde que chega em casa auxila o filho no banho e mergulha em uma série de situações que tomam suas ações e o levam à loucura.
A visita inesperada de um vizinho, que parece ter mais intimidade com a família do protagonista do que ele próprio, a morte da cachorra, a cova aberta durante a madrugada, a neve incessante, o frio, a bebida e, principalmente, o "Trevoso", conduzem o personagem por caminhos de delírio e insanidade, que transportam o leitor para as páginas do livro, cuja escrita é moderna, rápida e vigorosa.
A inexistência de lugares comuns ("Agora a escuridão é total, ele já se permite mergulhar na inconsciência da noite") e inclusão de expressões que tornam o texto "cult" ("O coelho da moldura do lavabo não tem nada de realista, e se meu filho mirou em Walt Disney, acertou em Donnie Darko"), deixam a leitura ainda mais interessante. Reflexões sobre a paternidade tardia, relações conjugais, carreira profissional e a distância do lar, contribuem para conferir à trama um aspecto reflexivo sobre o personagem, elemento importante para qualquer livro que aborde ambientes de tensão psicológica, temas sobrenaturais ou criaturas malignas.
Nesse ponto a estrutura do romance se aproxima à escrita do mestre Stephen King, que detalha, esquadrinha, a personalidade de seus personagens para inserir o leitor nos dramas pessoais de cada um, frequentemente fazendo reviver momentos há muito esquecidos, guardados em pastas escondidas do subconsciente, para conferir maior dramaticidade e tensão à narrativa. Aliás, falando em SK, Nazarian também não se esqueceu dele na trama: "Sou o Jack Torrance do Planalto Serrano", diz o protagonista Bruno Schwartz determinada altura.
Merece destaque, ainda, a forma direta da escrita, em certos pontos informal ("É uma senhora de confiança, acho. Está aqui antes mesmo de nós. Trabalhou para o me pai. Não, a irmã dela trabalhou para meu pai, acho que foi isso"), como se o leitor é quem estivesse contando a história, falando, ditando as palavras.
Todo esse turbilhão de certezas, incertezas e alucinações, ocorre durante uma única madrugada, cujo final não poderia ser menos impactante. Para a trama, porém, o desfecho é adequado e resultado de um grande momento de demência.
Um livro que tira seu sossego e merece sua atenção. Recomendo!
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.

NAZARIAN, Santiago. Neve Negra, São Paulo: Cia das Letras, 2017, 248p.
Muitas vezes desprezada pela crítica especializada, os livros de terror e horror não costumam ganhar destaque. Sua importância está restrita a poucos escritores, na imensa maioria internacionais, que se erguem como os grandes representantes do gênero. Entre eles está, indiscutivelmente, Stephen King, autor de clássicos como Zona Morta, It - A Coisa, O Cemitério e À Espera de um Milagre. Podemos destacar, também, aqueles que iniciaram o gênero na literatura universal e até hoje servem de inspiração para novos escritores, como Edgar Alan Poe, H. P. Lovecraft, Robert Louis Stevenson, Bram Stocker e tantos outros.
Terror e horror são expressões que se assemelham, mas quando se trata de gênero literário possuem algumas distinções importantes. Em regra, o terror está associado à aspectos psicológicos, emocionais, onde o escritor envolve o leitor em uma trama bem elaborada mas sem fatores sobrenaturais, estes destinados ao gênero horror. Para exemplificar: Jogo Perigoso, de Stephen King é terror; Frankenstein, de Mary Schelley, é horror.
No Brasil o gênero é pouco explorado, contudo, ganha luzes no último livro de Santiago Nazarian, Neve Negra.
Conseguindo manter um ritmo acelerado durante toda a trama, Neve Negra pode ser considerado um verdadeiro enredo de cinema. Bruno Schwartz, renomado artista, valorizado internacionalmente por suas pinturas, ao retornar para sua cidade natal, a fictícia Trevo do Sul, localizada na gelada serra catarinense, imerge em uma madrugada de loucura e piração.
Julgando estar voltando para o conforto do lar, cuja casa já fora ocupada por seu pai e avô, depara com um filho absorto e agindo de maneira estranha. Tentando encontrar um motivo para essa reação do rapaz, atribui o comportamento dele à constante ausência do pai, tema abordado ao longo de toda narrativa. Pesando que sua mulher está dormindo, desde que chega em casa auxila o filho no banho e mergulha em uma série de situações que tomam suas ações e o levam à loucura.
A visita inesperada de um vizinho, que parece ter mais intimidade com a família do protagonista do que ele próprio, a morte da cachorra, a cova aberta durante a madrugada, a neve incessante, o frio, a bebida e, principalmente, o "Trevoso", conduzem o personagem por caminhos de delírio e insanidade, que transportam o leitor para as páginas do livro, cuja escrita é moderna, rápida e vigorosa.
A inexistência de lugares comuns ("Agora a escuridão é total, ele já se permite mergulhar na inconsciência da noite") e inclusão de expressões que tornam o texto "cult" ("O coelho da moldura do lavabo não tem nada de realista, e se meu filho mirou em Walt Disney, acertou em Donnie Darko"), deixam a leitura ainda mais interessante. Reflexões sobre a paternidade tardia, relações conjugais, carreira profissional e a distância do lar, contribuem para conferir à trama um aspecto reflexivo sobre o personagem, elemento importante para qualquer livro que aborde ambientes de tensão psicológica, temas sobrenaturais ou criaturas malignas.
Nesse ponto a estrutura do romance se aproxima à escrita do mestre Stephen King, que detalha, esquadrinha, a personalidade de seus personagens para inserir o leitor nos dramas pessoais de cada um, frequentemente fazendo reviver momentos há muito esquecidos, guardados em pastas escondidas do subconsciente, para conferir maior dramaticidade e tensão à narrativa. Aliás, falando em SK, Nazarian também não se esqueceu dele na trama: "Sou o Jack Torrance do Planalto Serrano", diz o protagonista Bruno Schwartz determinada altura.
Merece destaque, ainda, a forma direta da escrita, em certos pontos informal ("É uma senhora de confiança, acho. Está aqui antes mesmo de nós. Trabalhou para o me pai. Não, a irmã dela trabalhou para meu pai, acho que foi isso"), como se o leitor é quem estivesse contando a história, falando, ditando as palavras.
Todo esse turbilhão de certezas, incertezas e alucinações, ocorre durante uma única madrugada, cujo final não poderia ser menos impactante. Para a trama, porém, o desfecho é adequado e resultado de um grande momento de demência.
Um livro que tira seu sossego e merece sua atenção. Recomendo!
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.
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