VIZINHANÇA BARULHENTA
Cristian Luis Hruschka
MELO, Patrícia. Gog Magog, Rio de Janeiro: Rocco, 2017, 174 pág.
Patrícia Melo é escritora conhecida do público brasileiro. Publicou, entre outros livros, Inferno, vencedor do prêmio Jabuti em 2001, e Matador, livro que rendeu o excelente filme O Homem do Ano, estrelado por Murilo Benício. Ao lado de nomes como Rubem Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza, tem destaque na ficção policial, gênero literário que deveria merecer mais atenção pelas editoras brasileiras.
Esposa do maestro John Neschling, vive com ele na Suíça, de onde produz sua obra atenta ao que acontece em terras tupiniquins.
Gog Magog é seu último livro. Um romance curto, porém intenso, cuja trama se desenvolve com velocidade.
O personagem principal é um professor de biologia que passa a ter problemas com seu vizinho de apartamento. Ygor, apelidado pelo protagonista como Sr. Ípsilon, inferniza sua vida pacata. Os barulhos produzidos no andar de cima tiram o professor do sério, resultando em constantes discussões.
Atordoado com os ruídos produzidos pelo vizinho, quieto em seu apartamento, os sons se multiplicam na cabeça do professor. Em um casamento desgastado, imerso na rotina, os gemidos se tornam gritos, como se estivessem provocando-o.
Esse inconveniente urbano e atual, passado por tantas e tantas pessoas (quem nunca teve problemas com seu vizinho que atire a primeira pedra!), acaba ultrapassando as raias do tolerável e, na primeira oportunidade que o protagonista consegue entrar sorrateiramente no apartamento do vizinho barulhento, leva a trama toma um rumo inesperado. O trágico fim do Sr. Ípsilon leva o professor à juri, expondo-o à condenação pública.
Por mais que alegue se tratar de uma morte acidental, o posterior esquartejamento da vítima não deixa dúvidas da conduta do professor, cujo ato de extrema barbárie decorre do seu "estresse acústico".
Ao contrário dos livros policiais, Patrícia Melo não aborda a investigação do crime, colocando o protagonista como réu confesso: "Matei sim", diz o protagonista. "Por acaso" (pág. 84).
O que chama a atenção é a naturalidade que o crime ocorre, gerado por um ato comum a todos: barulho. Com a prisão do professor de biologia a trama envereda para uma discussão judicial quanto à sua sanidade, buscando o advogado de defesa, com louvável esforço, demonstrar que o cliente não estava no total controle de suas faculdades mentais, sofrendo de "epilepsia psíquica". Pretende, assim, justificar a conduta do assassino, contudo, o promotor de Justiça, lembrando "os deuses míticos Gog e Magog, que se alimentam de sangue" (pág. 149/150), em pleno júri destrói toda a argumentação do réu ao dizer:
"Damos cabo a todos os que nos atrapalham. Por uma vaga no estacionamento, acabamos com a vida de um motorista. Não temos o menor problema com a matança. Nesse mundo bárbaro, seremos como os descendentes de Magog, na descrição de Heródoto. Beberemos o sangue do nosso primeiro inimigo misturado ao vinho, usando, como taça, seu próprio crânio. Mas antes, arrancaremos o couro de sua cabeça e faremos com ele um guardanapo. Porque nesse mundo que a Defesa está nos apresentando com a embalagem científica, não viveremos um embate de classes. Nem de culturas. Ou de ideologias. Vivemos a guerra de cada indivíduo contra cada indivíduo. Somos todos contra todos. É a minha guerrinha e a sua guerrinha. Porque nesse mundo, o outro, a princípio, é apenas um inimigo. Meu vizinho faz barulho? Eu o desmembro e o meto numa mala, para depois jogá-lo no lixo. Por quê? Ora, porque no mundo dessa gente é o ódio que nos sustenta. Comemos e bebemos sangue. Dormimos e acordamos alimentados pela nossa bile negra" (pág. 150).
A passagem acima é perfeita e demonstra com brilhantismo o atual contexto em que vivemos. A vida está, mais do que nunca, por um fio. Ridículos comentários podem levar à morte, pois, do outro lado, nem sempre identificamos quem está presente. Não conhecemos o próximo e não sabemos se suas condutas são guiadas pela razão, muito mais segura e cautelosa que a emoção. As pessoas vivem um constante frenesi, preocupadas apenas com suas convicções, muitas vezes corroídas pela ausência de estudo, de leitura, de razoabilidade, pelo contrário, deturpada pela mídia pequena que entope nossos ouvidos propagando crueldades, tornando natural a morte e o pecado.
O livro de Patrícia Melo nos faz refletir sobre os dias atuais, alertando-nos quanto às condutas impensadas, tomadas no calor dos acontecimentos. Leitura de impacto e de muita qualidade, merecendo destaque, também, o projeto gráfico da capa. Gostei!

MELO, Patrícia. Gog Magog, Rio de Janeiro: Rocco, 2017, 174 pág.
Patrícia Melo é escritora conhecida do público brasileiro. Publicou, entre outros livros, Inferno, vencedor do prêmio Jabuti em 2001, e Matador, livro que rendeu o excelente filme O Homem do Ano, estrelado por Murilo Benício. Ao lado de nomes como Rubem Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza, tem destaque na ficção policial, gênero literário que deveria merecer mais atenção pelas editoras brasileiras.
Esposa do maestro John Neschling, vive com ele na Suíça, de onde produz sua obra atenta ao que acontece em terras tupiniquins.
Gog Magog é seu último livro. Um romance curto, porém intenso, cuja trama se desenvolve com velocidade.
O personagem principal é um professor de biologia que passa a ter problemas com seu vizinho de apartamento. Ygor, apelidado pelo protagonista como Sr. Ípsilon, inferniza sua vida pacata. Os barulhos produzidos no andar de cima tiram o professor do sério, resultando em constantes discussões.
Atordoado com os ruídos produzidos pelo vizinho, quieto em seu apartamento, os sons se multiplicam na cabeça do professor. Em um casamento desgastado, imerso na rotina, os gemidos se tornam gritos, como se estivessem provocando-o.
Esse inconveniente urbano e atual, passado por tantas e tantas pessoas (quem nunca teve problemas com seu vizinho que atire a primeira pedra!), acaba ultrapassando as raias do tolerável e, na primeira oportunidade que o protagonista consegue entrar sorrateiramente no apartamento do vizinho barulhento, leva a trama toma um rumo inesperado. O trágico fim do Sr. Ípsilon leva o professor à juri, expondo-o à condenação pública.
Por mais que alegue se tratar de uma morte acidental, o posterior esquartejamento da vítima não deixa dúvidas da conduta do professor, cujo ato de extrema barbárie decorre do seu "estresse acústico".
Ao contrário dos livros policiais, Patrícia Melo não aborda a investigação do crime, colocando o protagonista como réu confesso: "Matei sim", diz o protagonista. "Por acaso" (pág. 84).
O que chama a atenção é a naturalidade que o crime ocorre, gerado por um ato comum a todos: barulho. Com a prisão do professor de biologia a trama envereda para uma discussão judicial quanto à sua sanidade, buscando o advogado de defesa, com louvável esforço, demonstrar que o cliente não estava no total controle de suas faculdades mentais, sofrendo de "epilepsia psíquica". Pretende, assim, justificar a conduta do assassino, contudo, o promotor de Justiça, lembrando "os deuses míticos Gog e Magog, que se alimentam de sangue" (pág. 149/150), em pleno júri destrói toda a argumentação do réu ao dizer:
"Damos cabo a todos os que nos atrapalham. Por uma vaga no estacionamento, acabamos com a vida de um motorista. Não temos o menor problema com a matança. Nesse mundo bárbaro, seremos como os descendentes de Magog, na descrição de Heródoto. Beberemos o sangue do nosso primeiro inimigo misturado ao vinho, usando, como taça, seu próprio crânio. Mas antes, arrancaremos o couro de sua cabeça e faremos com ele um guardanapo. Porque nesse mundo que a Defesa está nos apresentando com a embalagem científica, não viveremos um embate de classes. Nem de culturas. Ou de ideologias. Vivemos a guerra de cada indivíduo contra cada indivíduo. Somos todos contra todos. É a minha guerrinha e a sua guerrinha. Porque nesse mundo, o outro, a princípio, é apenas um inimigo. Meu vizinho faz barulho? Eu o desmembro e o meto numa mala, para depois jogá-lo no lixo. Por quê? Ora, porque no mundo dessa gente é o ódio que nos sustenta. Comemos e bebemos sangue. Dormimos e acordamos alimentados pela nossa bile negra" (pág. 150).
A passagem acima é perfeita e demonstra com brilhantismo o atual contexto em que vivemos. A vida está, mais do que nunca, por um fio. Ridículos comentários podem levar à morte, pois, do outro lado, nem sempre identificamos quem está presente. Não conhecemos o próximo e não sabemos se suas condutas são guiadas pela razão, muito mais segura e cautelosa que a emoção. As pessoas vivem um constante frenesi, preocupadas apenas com suas convicções, muitas vezes corroídas pela ausência de estudo, de leitura, de razoabilidade, pelo contrário, deturpada pela mídia pequena que entope nossos ouvidos propagando crueldades, tornando natural a morte e o pecado.
O livro de Patrícia Melo nos faz refletir sobre os dias atuais, alertando-nos quanto às condutas impensadas, tomadas no calor dos acontecimentos. Leitura de impacto e de muita qualidade, merecendo destaque, também, o projeto gráfico da capa. Gostei!
Realmente parece um bom livro. Coloquei em minha lista! Abraço meu amigo!
ResponderExcluirOi, Bráulio. Obrigado pelo comentário. Sempre bom receber notícias suas! Grande abraço!
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