PERGUNTAS SEM RESPOSTAS
Não recordo bem o mês, tampouco o dia, mas lembro que foi no segundo semestre do ano passado que deparei com um capítulo do livro As Perguntas, do escritor gaúcho Antônio Xerxenesky, nas páginas do caderno Ilustríssima, jornal Folha de São Paulo. Fiquei ansioso pelo lançamento e animado para ler seu novo romance. Não faz muito havia lido F, seu livro anterior, e fiquei fascinado pelo seu ritmo de escrita e capacidade de envolver o leitor.
Ainda no ano passado comprei um exemplar pela internet, mas só agora consegui ler com a atenção merecida. O novo livro de Xerxenesky, assim como o anterior, traz uma mulher como protagonista. Alina está na faixa dos trinta anos de idade, passando pela conhecida crise que afeta as mulheres nessa fase. Trata-se, portanto, de uma mulher "balzaquiana", para emprestar o termo advindo do livro A Mulher de Trinta Anos, do francês Honoré de Balzac, que as mulheres não gostam muito. Trabalhando como editora de vídeos na cidade de São Paulo, está descontente com seu labor, atravessando os dias sem qualquer emoção ou novidade, ainda que tente movimentar um pouco sua vida com festas e alguns amigos.
Esse marasmo é interrompido quando uma delegada entra em contato com Alina e questiona sobre seus conhecimentos a respeito de seitas ocultistas, visto sua formação acadêmica voltada para o estudo de religiões. Diz a delegada que uma pessoa desaparecida havia sido encontrada na rua falando coisas desconexas, numa espécie de "surto esquizofrênico", porém, sem qualquer histórico de doença mental ou uso de drogas. Informa a delegada, ainda, que o sujeito desenhava com qualquer material, inclusive as próprias unhas, por repetidas vezes, um símbolo desconhecido.
Esse fato desperta em Alina uma repentina vontade em pesquisar o que está acontecendo, apimentando assim sua vidinha insossa. Sem comunicar a polícia, passa a investigar o caso e consegue se relacionar com uma seita "suspeita", por assim dizer, participando de um ritual que lhe causa embaraço e dúvidas, colocando em xeque suas convicções a respeito da existência ou não de uma força maior. Esse evento resulta em questionamentos internos à personagem, cujas respostas às perguntas não são fornecidas no texto, pelos menos de forma direta.
A literatura de Xerxenesky é das mais aprazíveis, porém, As Perguntas não empolga tanto como seu livro anterior (F). A trama não é tão bem elaborada, mas o livro compensa pelo domínio que o autor tem da escrita. A paisagem urbana que permeia a narrativa chama atenção. Pessoas, prédios e movimentos são bem descritos, conforme se verifica no trecho abaixo:
"(...) Com algum esforço achava São Paulo bonita, a São Paulo cinzenta e nublada que às vezes encontrava espaço para o sol, com prédios modernistas, cada um com sua altura, sem nenhuma norma ou lógica, a ausência absoluta de um padrão estético, aquele amontoado de concreto colorido por fuligem se espalhando ate onde os olhos são capazes de enxergar" (pág. 33).
O livro também está repleto de expressões modernas e faz referências tecnológicas difíceis de escapar ao homem médio dos dias atuais. Expressões como Google, Facebook, Gtalk, Youtube, Netflix, entre outras, pipocam por todo o texto, conferindo modernidade à trama que ainda faz referências ao cinema (1492 - A Conquista do Paraíso) e à literatura (O Mundo Assombrado pelos Demônios, de Carl Sagan). Dividido em duas partes, Dia e Noite, possui capítulos lineares, muito bem estruturados e interligados. A trama se desenvolve acompanhando Alina pela cidade de São Paulo.
Outra peculiaridade do texto é o fato da parte inicial do livro ser narrada em terceira pessoa e a parte final em primeira pessoa. Confesso que essa estrutura não me agradou, perdendo fôlego o romance na segunda parte. Quando a narrativa passa a ser em primeira pessoa, a trama se torna um tanto duvidosa, com muitas coincidências (várias vezes o mesmo taxista em São Paulo!) e ausência de personagens importantes que poderiam ser melhor explorados, a exemplo da delegada que praticamente desaparece do contexto.
Acredito que a estratégia de narrar a história em primeira pessoa, na segunda parte do livro, tenha sido utilizada para ressaltar os questionamentos internos da personagem, conferindo destaque às suas dúvidas e dilemas, procurando deixar mais próximo do leitor a aflição de Alina quanto à sombra que passa a persegui-la (ela vê sombras e vultos desde a infância), enfim, atribuir à protagonista uma carga mais dramática, direcionando o leitor para seus sentimentos.
Ainda que parte da crítica tenha conceituado o livro como sendo de horror, não vejo dessa forma, pelo contrário, a trama não incita qualquer arrepio, faltando elementos que possam identificar o livro à esse gênero literário. Há um suspense no ar, porém, está ausente um requisito essencial, o sobrenatural, visto que as sombras presentes no livro não se prestam à essa finalidade.
Mesmo As Perguntas não tendo a desenvoltura de F, Antônio Xerxenesky deve ser lido. Integra um seleto grupo de escritores diferenciados e muito talentosos da "nova" literatura brasileira, fugindo do tradicional e atraindo leitores cada vez mais jovens. Esse valor deve ser reconhecido!
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela Editora Minarete/Legere (www.facebook.com/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.
Cristian Luis Hruschka
XERXENESKY Antônio. As Perguntas, São Paulo: Companhia das Letras, 2017, 177 pág.
Não recordo bem o mês, tampouco o dia, mas lembro que foi no segundo semestre do ano passado que deparei com um capítulo do livro As Perguntas, do escritor gaúcho Antônio Xerxenesky, nas páginas do caderno Ilustríssima, jornal Folha de São Paulo. Fiquei ansioso pelo lançamento e animado para ler seu novo romance. Não faz muito havia lido F, seu livro anterior, e fiquei fascinado pelo seu ritmo de escrita e capacidade de envolver o leitor.
Ainda no ano passado comprei um exemplar pela internet, mas só agora consegui ler com a atenção merecida. O novo livro de Xerxenesky, assim como o anterior, traz uma mulher como protagonista. Alina está na faixa dos trinta anos de idade, passando pela conhecida crise que afeta as mulheres nessa fase. Trata-se, portanto, de uma mulher "balzaquiana", para emprestar o termo advindo do livro A Mulher de Trinta Anos, do francês Honoré de Balzac, que as mulheres não gostam muito. Trabalhando como editora de vídeos na cidade de São Paulo, está descontente com seu labor, atravessando os dias sem qualquer emoção ou novidade, ainda que tente movimentar um pouco sua vida com festas e alguns amigos.
Esse marasmo é interrompido quando uma delegada entra em contato com Alina e questiona sobre seus conhecimentos a respeito de seitas ocultistas, visto sua formação acadêmica voltada para o estudo de religiões. Diz a delegada que uma pessoa desaparecida havia sido encontrada na rua falando coisas desconexas, numa espécie de "surto esquizofrênico", porém, sem qualquer histórico de doença mental ou uso de drogas. Informa a delegada, ainda, que o sujeito desenhava com qualquer material, inclusive as próprias unhas, por repetidas vezes, um símbolo desconhecido.
Esse fato desperta em Alina uma repentina vontade em pesquisar o que está acontecendo, apimentando assim sua vidinha insossa. Sem comunicar a polícia, passa a investigar o caso e consegue se relacionar com uma seita "suspeita", por assim dizer, participando de um ritual que lhe causa embaraço e dúvidas, colocando em xeque suas convicções a respeito da existência ou não de uma força maior. Esse evento resulta em questionamentos internos à personagem, cujas respostas às perguntas não são fornecidas no texto, pelos menos de forma direta.
A literatura de Xerxenesky é das mais aprazíveis, porém, As Perguntas não empolga tanto como seu livro anterior (F). A trama não é tão bem elaborada, mas o livro compensa pelo domínio que o autor tem da escrita. A paisagem urbana que permeia a narrativa chama atenção. Pessoas, prédios e movimentos são bem descritos, conforme se verifica no trecho abaixo:
"(...) Com algum esforço achava São Paulo bonita, a São Paulo cinzenta e nublada que às vezes encontrava espaço para o sol, com prédios modernistas, cada um com sua altura, sem nenhuma norma ou lógica, a ausência absoluta de um padrão estético, aquele amontoado de concreto colorido por fuligem se espalhando ate onde os olhos são capazes de enxergar" (pág. 33).
O livro também está repleto de expressões modernas e faz referências tecnológicas difíceis de escapar ao homem médio dos dias atuais. Expressões como Google, Facebook, Gtalk, Youtube, Netflix, entre outras, pipocam por todo o texto, conferindo modernidade à trama que ainda faz referências ao cinema (1492 - A Conquista do Paraíso) e à literatura (O Mundo Assombrado pelos Demônios, de Carl Sagan). Dividido em duas partes, Dia e Noite, possui capítulos lineares, muito bem estruturados e interligados. A trama se desenvolve acompanhando Alina pela cidade de São Paulo.
Outra peculiaridade do texto é o fato da parte inicial do livro ser narrada em terceira pessoa e a parte final em primeira pessoa. Confesso que essa estrutura não me agradou, perdendo fôlego o romance na segunda parte. Quando a narrativa passa a ser em primeira pessoa, a trama se torna um tanto duvidosa, com muitas coincidências (várias vezes o mesmo taxista em São Paulo!) e ausência de personagens importantes que poderiam ser melhor explorados, a exemplo da delegada que praticamente desaparece do contexto.
Acredito que a estratégia de narrar a história em primeira pessoa, na segunda parte do livro, tenha sido utilizada para ressaltar os questionamentos internos da personagem, conferindo destaque às suas dúvidas e dilemas, procurando deixar mais próximo do leitor a aflição de Alina quanto à sombra que passa a persegui-la (ela vê sombras e vultos desde a infância), enfim, atribuir à protagonista uma carga mais dramática, direcionando o leitor para seus sentimentos.
Ainda que parte da crítica tenha conceituado o livro como sendo de horror, não vejo dessa forma, pelo contrário, a trama não incita qualquer arrepio, faltando elementos que possam identificar o livro à esse gênero literário. Há um suspense no ar, porém, está ausente um requisito essencial, o sobrenatural, visto que as sombras presentes no livro não se prestam à essa finalidade.
Mesmo As Perguntas não tendo a desenvoltura de F, Antônio Xerxenesky deve ser lido. Integra um seleto grupo de escritores diferenciados e muito talentosos da "nova" literatura brasileira, fugindo do tradicional e atraindo leitores cada vez mais jovens. Esse valor deve ser reconhecido!
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela Editora Minarete/Legere (www.facebook.com/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.
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