HERANÇA MALDITA

Cristian Luis Hruschka
TIMM, Uwe. À Sombra do Meu Irmão: as marcas do nazismo e do pós-guerra na história de uma família alemã. Porto Alegre: Dublinenses, 2014, 160 pág. (Tradução: Gerson Roberto Neumann e Willian Radünz)
Escrito por um dos autores alemães mais traduzidos nos últimos anos, À sombra do meu irmão conta parte da história da Segunda Guerra Mundial vista pelo outro lado, ou seja, dos perdedores. Ainda pequeno, o autor presenciou seu irmão Karl-Heinz alistar-se voluntariamente no exército nazista e partir para o confronto armado. Como soldado da Waffen-SS, foi morto na Ucrânia, em 1943. Posteriormente encaminharam para sua mãe o diário que o filho escrevia no front. Partindo dos relatos lançados no livro, Uwe Timm apresenta aos leitores a trajetória de uma família alemã marcada pela derrota, pela humilhação.
Após a ocupação pelos aliados, a Alemanha foi retalhada. Berlim restou dividida entre os soviéticos (setor oriental), franceses, britânicos e americanos (setor ocidental); o interior do país sofria com a ocupação e as condições impostas pelos vitoriosos. Nesse contexto o povo alemão teve que demonstrar toda sua resiliência para hoje se tornar uma das maiores potencias mundiais.
Esse caminho, porém, foi traçado à duras penas. A população pagou (ainda paga!) um preço alto pelos atos do Führer, concordasse ou não com a política de expansão, extermínio e dominação que pretendia impor aos seus inimigos. Com a derrota, a disciplina e rigidez germânica tiveram que se dobrar aos mandos e desmandos daqueles que seus líderes maiores, os nazis, pretendiam subjugar.
Traçando um paralelo entre as passagens lançadas no diário pelo seu irmão, Uwe Timm discorre sobre esse período, apresentando com riqueza de detalhes a dificuldade passada por sua família para conviver com a vergonha da derrota, não reconhecida publicamente mas que transparecia na apatia e na perda de vontade de viver do seu pai, quel não escondia sua predileção pelo irmão morto, relegando a segundo plano o irmão mais novo e a irmã.
A história costuma ser contada pelos vitoriosos, por esse motivo o relato de Uwe Timm, com a precisão literária que lhe é peculiar, torna viva a lembrança da derrocada do exército alemão pelos aliados e a impotência do povo germânico, alimentado por notícias falaciosas de que a Alemanha estava vencendo e que uma nova era iniciaria:
"Comboios cruzaram a cidade - jipes, caminhões, carros blindados de reconhecimento -, enquanto os esfarrapados soldados alemães, que haviam sido presos, os seguiam. A profunda receptividade aos hábitos americanos, pelos filmes, pela literatura, pela música, pelas roupas, por essa marcha triunfal, tudo isso se devia ao fato de que os pais não se renderam apenas militarmente, mas também em seus valores e em seu modo de vida. Os adultos pareciam ridículos, mesmo que as crianças não fossem capazes de achar uma explicação para isso. No entanto, essa decadência dos pais era perceptível. Havia a saudação obrigatória: os homens tinham que tirar as boinas e os chapéus para os soldados ingleses da ocupação, para os vencedores. A criança observada os adultos, também as mulheres, se abaixarem para pagarem as pontas de cigarro jogadas pelos soldados americanos Homens, que havia pouco eram saudados de forma bizarra, com vozes estrondosas de comando, de repente sussurravam, diziam que não sabiam de nada, diziam que não queriam aceitar aquilo, diziam que havia uma traição sendo arquitetada.
O pai odiava a música americana, os filmes, o jazz. O americanismo. Sua geração havia perdido a autoridade de comando na esfera pública e, assim, só podia comandar em casa, entre quatro paredes." (pág. 67/68).
Não restam dúvidas que a nova ordem imposta pelos vencedores interrompeu os sonhos de uma geração do povo alemão, obstaculizou o crescimento pessoal e profissional impondo condições restritivas que de maneira lenta foram superadas para voltar a fortalecer a identidade de sua pátria. A necessidade de conviver com o genocídio praticado pelos nazistas, com os campos de concentração, são exemplos das chagas que pais e filhos tiveram de superar.
Os relatos de Karl-Heinz em seu diário refletem o contexto histórico. Assim como ocorreu com o jovem soldado, a morte não foi apenas física, mas também moral, cujo legado produz cicatrizes na população que, com muita retidão, supera as adversidades culturais e ideológicas para dizer que os nefastos, deploráveis e imperdoáveis fatos históricos não correspondem ao pensamento de uma geração que busca superar os horrores da guerra, mesmo convicta que jamais será apagado da lembrança o período de barbárie que a recente história apresenta.
O livro de Uwe Timm nos induz à reflexão, motivo suficiente para recomendar a leitura.
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com

Cristian Luis Hruschka
TIMM, Uwe. À Sombra do Meu Irmão: as marcas do nazismo e do pós-guerra na história de uma família alemã. Porto Alegre: Dublinenses, 2014, 160 pág. (Tradução: Gerson Roberto Neumann e Willian Radünz)
Escrito por um dos autores alemães mais traduzidos nos últimos anos, À sombra do meu irmão conta parte da história da Segunda Guerra Mundial vista pelo outro lado, ou seja, dos perdedores. Ainda pequeno, o autor presenciou seu irmão Karl-Heinz alistar-se voluntariamente no exército nazista e partir para o confronto armado. Como soldado da Waffen-SS, foi morto na Ucrânia, em 1943. Posteriormente encaminharam para sua mãe o diário que o filho escrevia no front. Partindo dos relatos lançados no livro, Uwe Timm apresenta aos leitores a trajetória de uma família alemã marcada pela derrota, pela humilhação.
Após a ocupação pelos aliados, a Alemanha foi retalhada. Berlim restou dividida entre os soviéticos (setor oriental), franceses, britânicos e americanos (setor ocidental); o interior do país sofria com a ocupação e as condições impostas pelos vitoriosos. Nesse contexto o povo alemão teve que demonstrar toda sua resiliência para hoje se tornar uma das maiores potencias mundiais.
Esse caminho, porém, foi traçado à duras penas. A população pagou (ainda paga!) um preço alto pelos atos do Führer, concordasse ou não com a política de expansão, extermínio e dominação que pretendia impor aos seus inimigos. Com a derrota, a disciplina e rigidez germânica tiveram que se dobrar aos mandos e desmandos daqueles que seus líderes maiores, os nazis, pretendiam subjugar.
Traçando um paralelo entre as passagens lançadas no diário pelo seu irmão, Uwe Timm discorre sobre esse período, apresentando com riqueza de detalhes a dificuldade passada por sua família para conviver com a vergonha da derrota, não reconhecida publicamente mas que transparecia na apatia e na perda de vontade de viver do seu pai, quel não escondia sua predileção pelo irmão morto, relegando a segundo plano o irmão mais novo e a irmã.
A história costuma ser contada pelos vitoriosos, por esse motivo o relato de Uwe Timm, com a precisão literária que lhe é peculiar, torna viva a lembrança da derrocada do exército alemão pelos aliados e a impotência do povo germânico, alimentado por notícias falaciosas de que a Alemanha estava vencendo e que uma nova era iniciaria:
"Comboios cruzaram a cidade - jipes, caminhões, carros blindados de reconhecimento -, enquanto os esfarrapados soldados alemães, que haviam sido presos, os seguiam. A profunda receptividade aos hábitos americanos, pelos filmes, pela literatura, pela música, pelas roupas, por essa marcha triunfal, tudo isso se devia ao fato de que os pais não se renderam apenas militarmente, mas também em seus valores e em seu modo de vida. Os adultos pareciam ridículos, mesmo que as crianças não fossem capazes de achar uma explicação para isso. No entanto, essa decadência dos pais era perceptível. Havia a saudação obrigatória: os homens tinham que tirar as boinas e os chapéus para os soldados ingleses da ocupação, para os vencedores. A criança observada os adultos, também as mulheres, se abaixarem para pagarem as pontas de cigarro jogadas pelos soldados americanos Homens, que havia pouco eram saudados de forma bizarra, com vozes estrondosas de comando, de repente sussurravam, diziam que não sabiam de nada, diziam que não queriam aceitar aquilo, diziam que havia uma traição sendo arquitetada.
O pai odiava a música americana, os filmes, o jazz. O americanismo. Sua geração havia perdido a autoridade de comando na esfera pública e, assim, só podia comandar em casa, entre quatro paredes." (pág. 67/68).
Não restam dúvidas que a nova ordem imposta pelos vencedores interrompeu os sonhos de uma geração do povo alemão, obstaculizou o crescimento pessoal e profissional impondo condições restritivas que de maneira lenta foram superadas para voltar a fortalecer a identidade de sua pátria. A necessidade de conviver com o genocídio praticado pelos nazistas, com os campos de concentração, são exemplos das chagas que pais e filhos tiveram de superar.
Os relatos de Karl-Heinz em seu diário refletem o contexto histórico. Assim como ocorreu com o jovem soldado, a morte não foi apenas física, mas também moral, cujo legado produz cicatrizes na população que, com muita retidão, supera as adversidades culturais e ideológicas para dizer que os nefastos, deploráveis e imperdoáveis fatos históricos não correspondem ao pensamento de uma geração que busca superar os horrores da guerra, mesmo convicta que jamais será apagado da lembrança o período de barbárie que a recente história apresenta.
O livro de Uwe Timm nos induz à reflexão, motivo suficiente para recomendar a leitura.
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com
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