CIÚME FATAL
Cristian Luis Hruschka

Sabato, Ernesto. O Túnel, Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1961, 137 pág. Tradução de Noelini Souza.
O livro de Ernesto Sabato, ao que parece, está fora de catálogo. Há tempo procuro nas livrarias e não encontro, tampouco em sebos. Por um acaso do destino, "O Túnel" sorriu para mim na biblioteca do meu sogro. Faz mais de quinze anos que frequento aquela sala repleta de livros e sempre encontro algo que me surpreende. Desta vez não foi diferente.
Argentino, Ernesto Sabato nasceu em 1911 e faleceu em 2011, pouco antes de celebrar cem anos de idade. Durante sua longa vida, escreveu diversos livros e ensaios, também se destacando como artista plástico. Sua maior obra, porém, é a novela "O Túnel", publicada em 1948.
A edição que chegou até mim é da Editora Civilização Brasileira, datada de 1961, com algum desgaste nas bordas e páginas amareladas pelo tempo. Nada, porém, que prejudique a grandeza da obra e o prazer da leitura.
Escrito em primeira pessoa, conta a história de Juan Pablo Castel, pintor de destaque que encontra em Maria Iribarne a única pessoa capaz de compreender sua pintura. Ela chama a atenção do pintor em uma exposição e, após casualmente encontrá-la na rua, passa a seguir a mulher a fim de saber por que motivo observava com tamanha introspecção uma de suas telas. Passam a se relacionar, cujo envolvimento resulta no final trágico narrado por Juan Pablo já na primeira página:
"Basta dizer que sou Juan Pablo Castel, o pintor que matou Maria Iribarne; suponho que todos ainda se recordam do processo, o que dispensa maiores explicações sobre a minha pessoa" (pág. 1).
A capacidade de Sabato prender o leitor no livro é impressionante. Ainda que o enredo não tenha reviravoltas de tirar o fôlego, a trama é contada com um ritmo admirável. Não há nenhuma passagem explícita sobre o envolvimento do casal, na realidade, tudo é muito sutil e as lacunas do texto são preenchidas pelo leitor no decorrer da narrativa. Essa sutileza nos faz lembrar de Machado de Assis com seu "Dom Casmurro", mas aqui temos a certeza de que Maria traiu seu marido, o cego Allende, com Juan Pablo, ao contrário do que ocorre no drama machadiano entre Capitu, Bentinho e Escobar. Da mesma forma, não é possível definir de maneira clara outros envolvimentos amorosos de Maria, em especial com Hunter, sendo este o mote principal para a morte de Maria Iribarne: o ciúme irracional de Juan Pablo Castel!
A forma de Sabato escrever confirma a tendência da literatura argentina para romances de fundo, abordando questões psicológicas e existenciais. Ao lado de Borges, Cortazar e Casares, Ernesto Sabato é um dos seus maiores representantes.
Para quem gosta de boa leitura, fica a dica!
Trechos:
"Meu cérebro é um fervedouro, mas quando me ponho nervoso, as ideias se sucedem como um vertiginoso ballet; apesar disso, ou talvez por isso mesmo, fui me acostumando a governá-las e ordená-as rigorosamente; de outro modo, creio, não tardaria a enlouquecer" (pág. 27)
"A vida aparece à luz deste raciocínio como um vasto pesadelo, do qual, entretanto, a gente não pode se libertar com a morte, que seria, assim, uma espécie de despertar.Mas, despertar para onde? Essa irresolução de arrojar-me ao nada absoluto e eterno tem-me detido em todos os projetos de suicídio. Apesar de tudo, o home e tão apegado à existência que prefere finalmente suportar sua imperfeição e a dor causada pelo hediondez, a aniquilar a fantasmagoria com um ato de autodeterminação" (pág. 78)
"O mar ia se trasmudando em obscuro monstro. Logo a escuridão foi total e o rumor das ondas lá embaixo revestiu-se de sombria atração" (pág. 101)
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com
Cristian Luis Hruschka

Sabato, Ernesto. O Túnel, Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1961, 137 pág. Tradução de Noelini Souza.
O livro de Ernesto Sabato, ao que parece, está fora de catálogo. Há tempo procuro nas livrarias e não encontro, tampouco em sebos. Por um acaso do destino, "O Túnel" sorriu para mim na biblioteca do meu sogro. Faz mais de quinze anos que frequento aquela sala repleta de livros e sempre encontro algo que me surpreende. Desta vez não foi diferente.
Argentino, Ernesto Sabato nasceu em 1911 e faleceu em 2011, pouco antes de celebrar cem anos de idade. Durante sua longa vida, escreveu diversos livros e ensaios, também se destacando como artista plástico. Sua maior obra, porém, é a novela "O Túnel", publicada em 1948.
A edição que chegou até mim é da Editora Civilização Brasileira, datada de 1961, com algum desgaste nas bordas e páginas amareladas pelo tempo. Nada, porém, que prejudique a grandeza da obra e o prazer da leitura.
Escrito em primeira pessoa, conta a história de Juan Pablo Castel, pintor de destaque que encontra em Maria Iribarne a única pessoa capaz de compreender sua pintura. Ela chama a atenção do pintor em uma exposição e, após casualmente encontrá-la na rua, passa a seguir a mulher a fim de saber por que motivo observava com tamanha introspecção uma de suas telas. Passam a se relacionar, cujo envolvimento resulta no final trágico narrado por Juan Pablo já na primeira página:
"Basta dizer que sou Juan Pablo Castel, o pintor que matou Maria Iribarne; suponho que todos ainda se recordam do processo, o que dispensa maiores explicações sobre a minha pessoa" (pág. 1).
A capacidade de Sabato prender o leitor no livro é impressionante. Ainda que o enredo não tenha reviravoltas de tirar o fôlego, a trama é contada com um ritmo admirável. Não há nenhuma passagem explícita sobre o envolvimento do casal, na realidade, tudo é muito sutil e as lacunas do texto são preenchidas pelo leitor no decorrer da narrativa. Essa sutileza nos faz lembrar de Machado de Assis com seu "Dom Casmurro", mas aqui temos a certeza de que Maria traiu seu marido, o cego Allende, com Juan Pablo, ao contrário do que ocorre no drama machadiano entre Capitu, Bentinho e Escobar. Da mesma forma, não é possível definir de maneira clara outros envolvimentos amorosos de Maria, em especial com Hunter, sendo este o mote principal para a morte de Maria Iribarne: o ciúme irracional de Juan Pablo Castel!
A forma de Sabato escrever confirma a tendência da literatura argentina para romances de fundo, abordando questões psicológicas e existenciais. Ao lado de Borges, Cortazar e Casares, Ernesto Sabato é um dos seus maiores representantes.
Para quem gosta de boa leitura, fica a dica!
Trechos:
"Meu cérebro é um fervedouro, mas quando me ponho nervoso, as ideias se sucedem como um vertiginoso ballet; apesar disso, ou talvez por isso mesmo, fui me acostumando a governá-las e ordená-as rigorosamente; de outro modo, creio, não tardaria a enlouquecer" (pág. 27)
"A vida aparece à luz deste raciocínio como um vasto pesadelo, do qual, entretanto, a gente não pode se libertar com a morte, que seria, assim, uma espécie de despertar.Mas, despertar para onde? Essa irresolução de arrojar-me ao nada absoluto e eterno tem-me detido em todos os projetos de suicídio. Apesar de tudo, o home e tão apegado à existência que prefere finalmente suportar sua imperfeição e a dor causada pelo hediondez, a aniquilar a fantasmagoria com um ato de autodeterminação" (pág. 78)
"O mar ia se trasmudando em obscuro monstro. Logo a escuridão foi total e o rumor das ondas lá embaixo revestiu-se de sombria atração" (pág. 101)
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com
Terminei o livro neste instante; que fim!!! Lembra-me muito Dom Casmurro. Deixou-me com uma dúvida eterna. Estou brava kkkk mas adorei.
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