A ARTE DA MORTE
Cristian Luis Hruschka

XERXENESKY, Antônio. F. Rio de Janeiro: Rocco, 2014, 240 pág.
Nascido na capital gaúcha em 1984, Antônio Xerxenesky é uma das grandes apostas da literatura brasileira. Morando em São Paulo desenvolve a atividade de escritor e tradutor, possuindo contos publicados em diversos países. Seu livro mais recente é "F", lançado em 2014.
Ambientando na década de 80, faz diversas referências à cultura pop do período, situando a trama dentro do contexto político vivido pelo Brasil naquele momento. Ana, personagem principal, está com 25 anos quando narra a sua história. Seu pai, homem duro, de poucas palavras, que visitava o quarto da irmã mais nova durante as noites, era colaborador do regime militar. Morreu em decorrência de uma queda no chuveiro, bateu a cabeça: "Às vezes achamos que nossa cabeça é forte e resistente, pois ela guarda o cérebro e o peso insustentável da infinidade dos nossos pensamentos. Mas a cabeça é uma parte do corpo como qualquer outra, uma parte frágil e quebradiça" (pág. 26). No velório do pai, Ana mantém contato com seu tio que vive nos Estados Unidos. Este tio consegue levá-la para Los Angeles, onde a menina descobre um grande talento: atirar! Esta habilidade é aprimorada, transformando a pequena Ana numa matadora de aluguel.
Escrito em primeira pessoa, o livro intercala passagens do presente e passado. As memórias da protagonista formam sua identidade. O trecho que segue é um exemplo disso:
"Lá fora, alguns pássaros cantavam. Fico extremamente irritada ao ouvir pássaros cantando de madrugada, como se rissem de todos nós que varamos a noite tentando apagar as coisas que passam pela nossa mente e dormir. Cada pio é uma gargalhada. Com alguma frequência penso em pegar uma arma de pressão e acertar um por um os malditos passarinhos" (pág. 86).
Não pense o leitor desta singela resenha, porém, que Ana é uma pessoa má, amargurada, triste. Ela vive de forma livre, desapegada à família, longe da vidinha que tinha na infância. Quem a vê, porém, não imagina que aquela jovem já tenha matado tanta gente.
Matar, aliás, é a sua arte. A forma utilizada na execução, estudando os hábitos e costumes da vítima, demonstram sua preocupação "com a beleza da morte, com a arte do assassinato" (pág. 178). Isso lhe traz fama, sendo-lhe encomendada a morte de Orson Welles, famoso e emblemático cineasta, diretor de "Cidadão Kane". Ana, então, segue até Paris para se aproximar da obra do seu alvo. Levando uma vida acima de qualquer suspeita, assiste repetidas vezes os seus filmes. Esse mergulho na obra do cineasta deixa-a fascinada, encanto aumentado quando passa a conviver com Welles como integrante da equipe de montagem de seu novo filme, que seria filmado nos Estados Unidos, certamente patrocinado pela "voz" que encomendou o assassinato pelo telefone.
Paris, Los Angeles e Rio de Janeiro são as cidades que concentram as ações da personagem, cujos saltos na narrativa se complementam de maneira harmoniosa. O domínio que o autor tem das palavras é extremo, envolvendo o leitor, obrigando-o a devorar o livro. Em 2012 Antônio Xerxenesky foi considerado pela revista Granta como um dos vinte melhores jovens escritores do Brasil. "F" confirma o acerto da escolha. Vale a leitura!
Para quem tiver interesse, segue entrevista do autor para a UNIVESP-TV: http://univesptv.cmais.com.br/livros-95-f-antonio-xerxenesky
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com
Cristian Luis Hruschka

XERXENESKY, Antônio. F. Rio de Janeiro: Rocco, 2014, 240 pág.
Nascido na capital gaúcha em 1984, Antônio Xerxenesky é uma das grandes apostas da literatura brasileira. Morando em São Paulo desenvolve a atividade de escritor e tradutor, possuindo contos publicados em diversos países. Seu livro mais recente é "F", lançado em 2014.
Ambientando na década de 80, faz diversas referências à cultura pop do período, situando a trama dentro do contexto político vivido pelo Brasil naquele momento. Ana, personagem principal, está com 25 anos quando narra a sua história. Seu pai, homem duro, de poucas palavras, que visitava o quarto da irmã mais nova durante as noites, era colaborador do regime militar. Morreu em decorrência de uma queda no chuveiro, bateu a cabeça: "Às vezes achamos que nossa cabeça é forte e resistente, pois ela guarda o cérebro e o peso insustentável da infinidade dos nossos pensamentos. Mas a cabeça é uma parte do corpo como qualquer outra, uma parte frágil e quebradiça" (pág. 26). No velório do pai, Ana mantém contato com seu tio que vive nos Estados Unidos. Este tio consegue levá-la para Los Angeles, onde a menina descobre um grande talento: atirar! Esta habilidade é aprimorada, transformando a pequena Ana numa matadora de aluguel.
Escrito em primeira pessoa, o livro intercala passagens do presente e passado. As memórias da protagonista formam sua identidade. O trecho que segue é um exemplo disso:
"Lá fora, alguns pássaros cantavam. Fico extremamente irritada ao ouvir pássaros cantando de madrugada, como se rissem de todos nós que varamos a noite tentando apagar as coisas que passam pela nossa mente e dormir. Cada pio é uma gargalhada. Com alguma frequência penso em pegar uma arma de pressão e acertar um por um os malditos passarinhos" (pág. 86).
Não pense o leitor desta singela resenha, porém, que Ana é uma pessoa má, amargurada, triste. Ela vive de forma livre, desapegada à família, longe da vidinha que tinha na infância. Quem a vê, porém, não imagina que aquela jovem já tenha matado tanta gente.
Matar, aliás, é a sua arte. A forma utilizada na execução, estudando os hábitos e costumes da vítima, demonstram sua preocupação "com a beleza da morte, com a arte do assassinato" (pág. 178). Isso lhe traz fama, sendo-lhe encomendada a morte de Orson Welles, famoso e emblemático cineasta, diretor de "Cidadão Kane". Ana, então, segue até Paris para se aproximar da obra do seu alvo. Levando uma vida acima de qualquer suspeita, assiste repetidas vezes os seus filmes. Esse mergulho na obra do cineasta deixa-a fascinada, encanto aumentado quando passa a conviver com Welles como integrante da equipe de montagem de seu novo filme, que seria filmado nos Estados Unidos, certamente patrocinado pela "voz" que encomendou o assassinato pelo telefone.
Paris, Los Angeles e Rio de Janeiro são as cidades que concentram as ações da personagem, cujos saltos na narrativa se complementam de maneira harmoniosa. O domínio que o autor tem das palavras é extremo, envolvendo o leitor, obrigando-o a devorar o livro. Em 2012 Antônio Xerxenesky foi considerado pela revista Granta como um dos vinte melhores jovens escritores do Brasil. "F" confirma o acerto da escolha. Vale a leitura!
Para quem tiver interesse, segue entrevista do autor para a UNIVESP-TV: http://univesptv.cmais.com.br/livros-95-f-antonio-xerxenesky
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com
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