Cristian Luis Hruschka
ROGAK, Lisa. Stephen King,
a biografia – Coração Assombrado, Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2013, 320 p.,
tradução de Cláudia Guimarães.
Como diz o ditado: cavalo
dado não se olha os dentes. Nunca fui de ler biografia de personalidades vivas,
muito menos autobiografias, mas ganhei de uma amiga muito querida o livro
escrito por Lisa Rogak sobre a vida do escritor Stephen King (DarkSide Books,
2013). Não posso negar, King foi um dos responsáveis por despertar a leitura em
minha juventude, quando ainda em idade ginasial eu varava noites lendo
histórias escabrosas sobre vampiros e lobisomens. É claro que naquela época os
vampiros não eram essas donzelas de hoje em dia, deturpados por livros como a
trilogia piegas da família Cullen (Stephenie Meyer), em que brilham ao sol e se
apaixonam desesperadamente por mortais sem quaisquer atributos. Sou da época
que eles não poupavam ninguém. Vampiros de verdade como o Drácula de Bram
Stocker na literatura e Béla Lugosi no cinema.
Recebido o presente, passei
a conhecer melhor a vida do mestre do terror moderno, responsável por livros de
sucesso nas bancas e que renderam milionárias adaptações para as telas de
cinema. Mas como surgiu essa máquina de escrever chamada Stephen King?
Nascido em 21 de setembro
de 1947, na cidade de Portland, Maine, Estados Unidos, de família muito humilde
e pobre, já na infância teve de sobreviver ao abandono do pai, vendo sua mãe
desdobrar-se para manter a família unida. Menino doente e complexado,
principalmente pela altura (1,93m), passou a se interessar por revistas
de horror ainda criança, sentindo medo das histórias que lia. Esse fato foi
decisivo para a carreira literária, declarando em diversas entrevistas que nos
seus livros apenas relatava os medos que sentia, transformando-os em histórias
ainda mais terríveis. Lamentável que nos últimos anos King não esteja mais com
tanto medo, pois seus livros perderam a qualidade daqueles do inicio da
carreira. Parece haver uma espécie de bloqueio ou uma tentativa de tornar mais
intelectual sua escrita (o reconhecimento literário sempre incomodou),
resultado que o afastou da literatura marginal que tanto sucesso fez com livros
como “O Iluminado” e “Christine”.
Obstinado, Steve, como
também é chamado, desde a tenra idade almejava viver de seus livros. Lia muito,
na maioria das vezes livros baratos e populares, escrevendo de maneira
compulsiva. Jamais desistiu diante das diversas cartas de recusa que recebia de
revistas que recusavam publicar seus textos.
Ao entrar para a faculdade
de letras do Maine, conheceu sua esposa, Tabitha, ganhando algum dinheiro com
contos e artigos para revistas pornográficas. Esse fato marcou de maneira
decisiva sua vida, sendo que mesmo após a fama em momento algum deixou de
enviar textos para revistas que o prestigiaram no início. Também gosta de
promover editoras pequenas, permitindo-lhes o lançamento de edições limitadas
de seus lançamentos e fazendo com que tenham um “boom” nas vendas, afinal,
qualquer coisa ligada ao nome de Stephen King vende, qualquer coisa mesmo.
Até o estrelato, porém,
teve uma longa jornada. King trabalhou como coveiro, lavador de roupas e
frentista até conseguir emprego como professor de inglês. Não cansando de
enviar originais para editoras, mesmo recusados de forma reiterada, conseguiu
espaço quando em abril de 1974 o livro “Carrie” foi publicado pela Doubleday,
vendido por Stephen King para a editora por dois mil e quinhentos dólares. Sua
carreira de escritor famoso começou e logo Stephen pode dedicar-se
exclusivamente à literatura, mantendo-se com a venda de seus livros, conforme
havia sonhado na infância. Não tardou para “Carrie” ser vendido ao cinema,
resultando no estrondoso sucesso do filme dirigido por Briam de Palma (1976),
tendo Sissy Spacek no papel principal. King saia em definitivo da pobreza e
passava a ditar regras para publicação de suas obras, ainda que em constante
briga com editoras. Em pouco tempo ficou muito rico.
Seu próximo sucesso de
vendas foi “O Iluminado”, também adaptado para o cinema por Stanley Kubrick
(1980) – na opinião de King um verdadeiro lixo, horrível - tornando
mundialmente famoso o personagem Jack Torrance e o hotel chamado Overlook. O
livro conta a história de um escritor que, na condição de zelador, vai morar
com sua família no hotel Overlook durante o período que o mesmo fecha para o
inverno. Lá passa a ser atormentado por seu passado e forças malignas. O terror
é potencializado pelo filho de Torrance, Danny, detentor de habilidades
psíquicas, entre elas a premonição. A história é conhecida e o filme um
clássico do terror, cultuado até os dias atuais, com as assustadoras meninas
gêmeas, sangue subindo pelas paredes e tudo mais. Chama atenção, porém, que
diversos traços pessoais de King são transmitidos pelo personagem de Jack
Torrance. A embriaguez contumaz, o passado tortuoso, entre outras.
Durante muitos anos Stephen
King usou cocaína de maneira irresponsável, aumentando sua loucura através do
consumo de bebidas alcoólicas em ritmo alucinante. Ainda que a mistura
explosiva possa ter contribuído para sua literatura, sem limites à imaginação,
o consumo exagerado quase o matou. Por diversas vezes esteve a ponto de
separar-se de Tabitha, porém, esta sempre mostrou ser o alicerce da
família.
Em razão da fama absurda que conseguiu, King passou a viver cada vez mais recluso e sua casa no Maine é alvo de peregrinação dos fãs, que passaram a ser um tormento - no bom sentido, claro - para o escritor. O livro "Misery" (1987), também adaptado ao cinema com o nome de "Louca Obsessão" (1990), é um exemplo disso. A cena em que a enfermeira Annie Wilkes (Kathie Bathes) quebra com um martelo os pés do escritor Paul Sheldon (James Caan) para que ele não fuja, é memorável.
Com produção literária
constante e acelerada, King chegou a ter de forma simultânea quatro livros na
lista do New York Times. Escreveu também sob o pseudônimo de Richard Bachmann,
com relativo sucesso. Milionário, sempre contribuiu com significativas doações
para entidades de caridade, em especial organizações do seu querido estado do
Maine, como, por exemplo, a unidade pediátrica do Eastern Maine Medical Center,
que recebeu a quantia de 750 mil dólares.
A biografia também aborda o
acidente sofrido por Stephen King em 1999, quando foi atropelado. Do evento
resultaram fraturas graves que demandaram tempo para recuperação, o que,
todavia, não o impediu de continuar produzindo.
Seus livros mais recentes,
porém, como mencionei, perderam o encanto do início da carreira. O suspense, a
tensão, o terror, parece que arrefeceram. Volto a dizer que não gosto de ler
biografia de pessoas vivas. Por esse motivo mantenho a esperança de que o
mestre do terror nos brinde com novos livros do quilate de “A Dança da Morte”,
“A Zona Morta” e “O Cemitério”, todos do princípio da carreira e que tanto
empolgaram seus leitores. Quem sabe algum original daquela época está guardado
a sete chaves. Resta ficar na expectativa de que sua biografia definitiva ainda
nos surpreenda.
TRECHO:
“Steve disse repetidas
vezes, em entrevistas e a quem estivesse disposto a ouvir, que usa seus
escritos como uma válvula de escape para seus medos, na esperança de que estes,
se não desaparecessem completamente, ficassem pelo menos mais fracos. O engraçado
é que, com cada livro e roteiro que produzia, seus medos não apenas não iam
embora como, em alguns casos, ficavam mais vívidos. Ele chegou até a
desenvolver novos medos” (pág. 159).
Publlicado em http://www.tertuliaonline.com.br/postagem/ver/409, 29.03.2015.
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com
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