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"O Estrangeiro", Albert Camus

IDEIA DO ABSURDO

Cristian Luis Hruschka

CAMUS, Albert. O Estrangeiro, 34a. Rio de Janeiro: Record, 2012, 126 pág. Tradução de Valerie Rumjanek.

Nascido na Argélia, de ascendência francesa, Albert Camus teve uma infância pobre e a muito custo conseguiu vencer na literatura. Em 1939 foi para Paris, sendo que em virtude da Segunda Guerra Mundial teve de retornar para Argel, trazendo consigo o rascunho de "O Estrangeiro", considerado por muitos como seu livro de maior importância. Faleceu cedo, com apenas 47 anos, em um acidente de carro, porém, produziu bastante em sua breve vida, tanto na literatura, na dramaturgia e no campo do ensaio. Era também jornalista e filósofo, neste particular buscando retratar o absurdo, seguindo a linha da Kafka e Dostoiévski. Foi também grande amigo de Sartre, maior representante da filosofia existencialista, tendo rompido com este, porém, anos antes da sua morte, após o término da II Grande Guerra.

É na linha do absurdo que anda "O Estrangeiro". Conta a história de Mersault, argelino que leva uma vida pacata e não esboça nenhuma reação após ser informado da morte de sua mãe em um asilo. Não chora no enterro e não lhe dispensa honrarias, prosseguindo em sua vida banal. No dia seguinte, porém, conhece Marie, passeando com ela pela praia sob o sol forte de Argel e indo ao cinema divertir-se em um filme de Fernandel.

Mersault tem dois vizinhos, Salamano, que vive às turras com seu cachorro, mas que após perdê-lo descobre a falta que o animal lhe faz, e Raymond, que agride uma mulher em seu quarto e passa a ser perseguido por um árabe, irmão da mulher agredida.

Este árabe, por sua vez, é morto por Mersault na praia, com cinco tiros, quando o ameaçava com uma navalha. O argelino é preso e levado à julgamento. Ocorre que durante o processo passam a ser considerados fatores menores da vida de Mersault, principalmente sua postura ante a morte da mãe. O promotor de justiça, destaca aos jurados que "no dia seguinte a morte de sua mãe, este homem tomava banho de mar, iniciava um relacionamento irregular e ia rir diante de um filme cômico. Nada mais tenho a lhes dizer" (pág. 98).

Passa, então, a ser julgado pelos atos que praticou e não propriamente pelo crime cometido, sendo que seu advogado pouco ajuda para evitar o veredito final que é pela condenação à morte do argelino. Morre, assim, por sua postura objetiva e sincera, visto que há muito tempo não mantinha contato próximo com sua falecida mãe, que também não lhe procurava. Sua conduta frente a morte da genitora, portanto, representa o que Mersault efetivamente sentia, sendo reprimida unicamente pela sociedade, que não admite esse comportamento, punindo-o com a pena capital.

Durante todo o processo ele não entende claramente os reais motivos pelos quais está sendo julgado, posto que na sua ótica nada fez de errado, porém, a sociedade que o condena não pensa dessa forma e até mesmo seu silêncio é considerado uma confissão, a assunção inequívoca de sua conduta reprovável. Para ele, "Eu [Mersault] ouvia e entendia que me consideravam inteligente. Mas não compreendia bem por qual motivo as qualidades de um homem comum podiam tornar-se acusações esmagadoras contra o culpado" (pág. 104).

Além da questão do absurdo da vida, merece destaque a qualidade narrativa de Camus, colocando o leitor como se caminhasse pela areia da praia de Argel ao lado de Mersault, sentido o sol que com tanta força o aquecia e alimentava. Essa entre outras qualidades, rendeu à Camus o Nobel da Literatura em 1957. Mesmo falecendo precocemente deixou obra que merece ser lida por aqueles que procuram literatura de qualidade.

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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com

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