A RIQUEZA BRASILEIRA E O DESCONTROLE PORTUGUÊS
BOA VENTURA, A CORRIDA DO OURO NO BRASIL (1697 - 1810), Lucas Figueiredo, Ed. Record, 2011, 387 páginas.
Em primoroso trabalho de pesquisa e com uma prosa envolvente, o mineiro Lucas Figueiredo nos apresenta um livro delicioso e repleto de informações. É uma veradeira aula de história, tendo como mote principal a cobiça da Coroa Portuguesa pelo ouro de sua mais lucrativa colônia: Brasil.
Quando Pedro Álvares Cabral chegou as nossas terras, Portugal estava completamente endividada, fazendo uso de empréstimos e venda de títulos da dívida pública para obter recursos financeiros para manutenção da corte. A primeira impressão com o Brasil, porém, não foi das melhores. Somente avistaram índios e estes não trajavam vestimentas com detalhes em ouro, muito pelo contrário, os então donos da terra viviam praticamente nus.
Após alguns investimentos iniciais, nenhum sinal de ouro, frustrando as expectativas portuguesas. Já a Espanha, sua maior inimiga de então, recebia todos as glórias da chamada América Espanhola, em especial do ouro encontrado no Peru e da prata vinda de Potosi.
No entanto, a Coroa Portuguesa mantinha acesas as esperanças de encontrar riquezas e, até mesmo para proteger a costa brasileira de invasões estrangeiras, principalmente holandesas e francesas, passou a distribuir terras e incentivar a exploração do ouro.
É por essa época (1650), que surgem os “Bandeirantes”, sendo Fernão Dias Pais seu maior representante até então. Os Bandeirantes, na incansável busca pelo ouro, foram responsáveis pela formação de vilas e lutavam contra os invasores, tendo, no entanto, contribuído de maneira significativa para a caça e mortandade indígena. Fernão Dias foi um dos responsáveis pela colonização do atual Estado de Minas Gerais.
Com o passar do tempo as lavras auríferas exploradas pelos paulistas na região central de Minas Gerais começaram a dar resultado e, após 200 anos, com a participação decisiva do bandeirante Borba Gato, genro de Fernão Dias, foi apresentada à corte a região onde hoje se encontra a cidade de Sabará (MG), chamada então de “Sabarabuçu”. Segundo Lucas Figueiredo, que narra com detalhes toda essa sequencia de acontecimentos, “Portugal havia encontrado seu Eldorado”.
Com a descoberta do ouro se dá inicio à “Primeira Corrida do Ouro da Era Moderna”. O ouro da região parecia brotar do chão, atraindo toda sorte de viventes ao local. Não tardou para os paulistas começarem a perder espaço para baianos, portugueses e fluminenses, chamados de “emboabas”, que buscavam as lavras de Minas Gerais em busca de riqueza.
Esses emboabas, no entanto, tinham relações estreitas com o comércio de escravos africanos, os quais se mostravam mais produtivos que os índios, estes rebeldes e indomesticáveis. Não tardou para que surgissem os conflitos entre paulistas e emboabas.
Independente a isso, a Coroa recebia regularmente parte do ouro encontrado em sua Colônia. O chamado “quinto”, apesar de difícil controle, chegava sem dificuldade alguma para a família real. Em 1741 Portugal chegou a receber 11,5 toneladas de ouro sem que tenha feito qualquer esforço.
A Corte Portuguesa, por sua vez, demonstrou em todo o curso da extração aurífera uma incompetência absoluta na administração da riqueza. Tratava-se de uma corte perdulária e despreocupada, mais interessada em ostentar fortuna do que cuidar do povo e do País. Conforme destaca o autor, “a inoperância administrativa do rei deixava a indústria em estado de abandono, as terras, incultas, e o comércio, nas mãos de estrangeiros.” Portugal julgava que as extração do ouro no Brasil seria eterna!
Porém, os ventos sopravam a favor da Corte, sendo localizado novas regiões auríferas em Cuiabá e, afora isso, a exploração do diamente também passou a encher as burras da família real.
Em 1745 Minas Gerais era o maior centro urbano da colônia, superando a Bahia e o Rio de Janeiro. A região de Vila Rica, atual Ouro Preto, movia a economia. Igrejas e demais construções arquitetônicas eram construídas. As artes plásticas, a música e a literatura igualmente se desenvolviam em Minas Gerais. Esse crescimento acabou por gerar uma maior união entre as capitanias, contribuindo para a formação de uma unidade nacional.
Essa maior integração acabou por resultar no crescimento do território da colônia, cuja “insistente violação e ocupação das terras da América Espanhola se monstrou um bom negócio para Portugal” (pág. 246). Assim, quando da redefinição das fronteiras pertencentes à Espanha e Portugal, estipuladas pelo Tratado de Tordesilhas, com o novo Tratado de Madri, firmado em 1750, o Brasil triplicou seu território, posto que vencedora a tese do “uti possidetis”, ou seja, a posse de direito seria daquele que detinha a posse de fato.
Em outro capítulo de grande importância no seu livro, Lucas Figueiredo aborda a questão escravocrata. Suas considerações merecem especial atenção e retratam um período sangrento do Brasil, quando pessoas eram tratadas como animais. Os escravos, vindos do continente africano, eram trazidos em condições subumanas. Seus laços familiares eram rompidos de forma abrupta e comunidades inteiras eram desmanteladas para evitar levantes contra os “brancos”. Muitos morriam doentes, outros fogiam e alguns compravam a própria alforria comprando a "liberdade" com o ouro que obtinham trabalhando aos domingos, único dia de folga na semana. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e isso ocorreu mais por pressões internacionais do que pela vontade da classe dominante. Um passado triste, porém vivo até hoje.
Em 1755 Portugal é abalada por um forte terremoto, seguido de maremoto e incêndios. Nesse momento a importância da colônia passa a ser maior ainda, cujo ouro se faz necessário para a reconstrução do País. Como a corte era perdulária, especialmente pela prodigiosidade de seus reis, tendo D. João I se destacado nesse quesito, não haviam reservas e a Coroa Portuguesa passou a sofrer por sua irresponsabilidade financeira.
Não bastasse esse problema, a partir de 1760 as lavras auríferas, especialmente de aluvião, começam a se esgotar. A Corte, no entanto, parece não se dar conta disso e continua gastando de forma inveterada. Um exemplo disso foi o casamento do então infante D. João (filho da rainha D. Maria I, futuro D. João VI), com a princesa espanhola Carlota Joaquina, uma das mulheres mais feia que já pisou em terras brasileiras.
Continuando em seu primoroso trabalho de pesquisa, Lucas Figueiredo passa a narrar as dificuldades da colônia em mandar para Portugal a quantidade de ouro solicitada, deixando de pagar a cota mínima do "Quinto", que era de 1.474 quilos. Com isso foi instituída a chamada "Derrama", onde se passou a exigir maior imposto sobre a posse dos escravos e transações comerciais, bem como pedágio nas estradas. Os homens da Coroa ainda podiam entrar na residência dos colonos para confiscar bens, socorrendo-se muitas vezes da própria força física. Isso, logicamente, gerou protestos, dando início a conhecida "Inconfidência Mineira", onde os "conjurados", buscavam livrar a capitania de Minas Gerais do jugo português. Essa revolta, no entanto, tinha mais um caráter econômico que social, sendo que a "derrama" somente foi cancelada após o martírio de Tiradentes.
Quando D. João VI assumiu o reinado na condição de “príncipe regente” (sua mãe foi declarada insana), o ouro estava cada vez mais escasso e, para complicar ainda mais a vida de Portugal, Napoleão surgia a sua frente.
Como Portugal tinha na Inglaterra uma grande aliada, esta ofereceu proteção para a Coroa fugir ao Brasil em 29/11/1807, levando com ela todo o ouro que podia.
Assim, no início do século XIX praticamente não havia mais ouro que pudesse ser extraído no Brasil, pelo menos com os métodos e a engenharia da época. Se Portugal tivesse a prudência da Inglaterra, por exemplo, e não gastasse de forma inconsequente a riqueza que chegava do Brasil, certamente seria hoje um dos países mais ricos do mundo, estando longe da grave crise econômica que o afeta nos dias atuais. Como já é sabido, temos que conhecer o passado para entender o presente e nos prevenir para o futuro. Portugal não foi diligente, sugou e torrou o ouro fácil que recebia de sua colônia. Hoje paga o preço de sua ineficiência administrativa.
Como o leitor dessa resenha pode perceber, todo o livro está contado no presente texto, todavia, a riqueza de detalhes abordada pelo autor durante sua narrativa é fantástica, cuja leitura nos envolve do início ao fim. A escrita é objetiva e clara. Os fatos são narrados de forma compreensível até para aqueles que desconhecem por completo a história do Brasil. O livro ainda é rico em ilustrações e possui excelente acabamento.
Com extensa bibliografia consultada, trata-se de leitura obrigatória para aqueles que procuram conhecer e entender um pouco mais do nosso lindo e espoliado Brasil!
(Obs.: para conhecer um pouco mais do autor vale a pena visitar o seu blog: http://lfigueiredo.wordpress.com/)

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