Cristian Luis Hruschka
KEYS, Daniel. Flores para Algernon. São Paulo: Aleph, 2018, 288
páginas (Tradução: Luisa Geisler).
Eis mais um livro que por diversas vezes tive nas mãos mas algo me falava
para não comprar. Como se conversasse comigo, dizia: - calma, ainda não chegou
o momento!
Anos passaram e, circulando pelo site da Amazon, deparo novamente
com o livro de Daniel Keys. Como estava na minha lista de sugestões, apareceu mais
um atrativo, desconto de 39% e entrega pela Prime, ou seja, grátis para mim.
Comprei!
O livro chegou e novamente conversou comigo: - já estou aqui, mas
ainda não é a hora!
E assim foi por mais cinco meses, até que comecei a ler Flores
para Algernon, uma obra-prima da ficção científica e da literatura
contemporânea.
Narrado em primeira pessoa, mostra a evolução de um homem com
problemas intelectuais que, submetido a um experimento, desenvolve aptidões
fantásticas, retroalimentando-se do seu próprio conhecimento, como um protótipo
humano do que hoje chamamos de inteligência artificial. Contudo, o livro não é recente; foi
publicado em 1966, demonstrando que Keys era um visionário.
Já no início da narrativa o leitor consegue se colocar no lugar do
protagonista, lendo palavras com erros de grafia, pontuação e tudo mais. Com o
tempo, porém, a leitura vai ficando fluída, leve, rápida, envolvente, como se
você, leitor, estivesse na pele do personagem e sentisse a rápida evolução
causada pelo experimento.
Nessa caminhada, verificamos que o livro explora com notável
habilidade temas complexos que vão da ética/moral, até questões psicológicas decorrentes da experimentação, levando-nos a questionar se realmente o homem tem liberdade
para tornar outro semelhante uma máquina de pensar, raciocinar e interagir.
“31 de julho – Estou quase lá. Eu sinto.
Todos eles pensam que estou me matando nesse ritmo, mas o que não entendem é
que estou vivendo um pico de claridade e beleza que nunca soube que existia. Eu
o absorvo em meus poros durante o dia e à noite – nos momentos antes de pegar
no sono –, ideias explodem na minha cabeça como fogos de artifício. Não há alegria
maior do que a solução para um problema.” (pág. 222)
Nesse sentido, não é apenas no campo intelectual que a evolução se
torna perceptível, mas também na esfera emocional e de comportamento, visto que
a narrativa se torna envolvente quando o protagonista passa a se relacionar com
uma das pesquisadoras e, ao mesmo tempo, ser mais inteligente do que seus mestres,
ou seja, a criatura supera o criador.
Contada através de relatórios escritos pelo protagonista, chamado Charlie
Gordon, de 32 anos, vai desde seu começo como faxineiro em uma padaria até o auge
intelectual. Ele é o primeiro humano em que o experimento é testado;
anteriormente realizado apenas em laboratório no rato chamado Algernon.
Ficar inteligente para o humano, porém, ao contrário dos ratos, exige
adequação social e emocional, conflitos estes por vezes difíceis de superar, afinal,
não há receita pronta para os relacionamentos interpessoais.
À medida que a inteligência de Charlie avança ele se torna mais
consciente do seu papel na sociedade, de como ela o trata e de como deve
tratar seu semelhante. Consegue identificar manipulações e o medo sentido pelos
outros de terem de lidar com pessoas inteligentes, sofisticadas e cultas.
Percebe que quanto mais intelectualizado fica, mais isolado
está, chegando a questionar se era mais humano antes ou depois da cirurgia. Por
vezes, como diz o filósofo, as pessoas são mais felizes na sua própria
ignorância, quando não tem nada, não sabem nada e não questionam nada.
Flores... é um livro que questiona as interações humanas,
seus relacionamentos e consequências.
Não vou passar spoiler, mas, como sabem, nada dura para
sempre. O destino de Algernon é um recado para nosso amigo Charlie, que na sua
existência nos mostrou o significado do ser humano, da empatia, do valor da inteligência
e dos relacionamentos, bem como os impactos que a tecnologia pode trazer em
nossa sociedade.
No fundo, o livro de Daniel Keys é uma grande crítica social, um
retrato íntimo e aberto das relações humanas e do perigo do conhecimento ilimitado,
quando passamos a descobrir o que nos cerca e verificar que não estamos rodeados
apenas de seres de luz, mas também por sombras indefectíveis.
É uma experiência de leitura que recomendo para todos, não apenas
pelo critério literário, conduzindo o leitor pela evolução do personagem, mas
também pela questão emocional, apresentando qualidades e defeitos de toda evolução
humana.
CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, professor e advogado. Autor do livro
"Na Linha da Loucura", Ed. Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura).
E-mail: clhadv@hotmail.com.
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