A SALVAÇÃO ESTÁ EM CADA UM
BREGMAN, Rutger. Humanidade: uma história otimista
do homem, São Paulo: Ed. Planeta (Crítica), 2021, 464 p., tradução: Claudio
Carina.
O livro que Rutger Bregman nos entrega é um
respiro no meio de tanta turbulência. Um raio de luz entre as trevas que foram
criadas e continuam a ser alimentadas pelos nossos semelhantes.
Com uma precisão incrível, o escritor holandês
nos mostra que a resposta para muitos problemas da humanidade está em nós
mesmos, em nossos sentimentos, em nossas emoções, em nosso ser.
Uma das primeiras lições apresentadas em “Humanidade”
é que devemos acreditar em nós mesmos, ou seja, se acreditarmos na nossa
bondade ela irá contagiar os demais e contribuir para a construção de um mundo
melhor:
“Se nós
acreditarmos que a maioria das pessoas não é confiável, será assim que
trataremos uns aos outros, para prejuízo de todos. Poucas ideias têm tanto
poder de moldar o mundo quanto a maneira como vemos os outros. Porque, em
última análise, se obtém o que já era esperado. Se quisermos enfrentar os
maiores desafios atuais – desde a crise climática até a nossa desconfiança cada
vez maior uns dos outros –, precisamos começar pela visão que temos da natureza
humana”
Para Bregman, que também é historiador, um
dos grandes problemas das relações sociais está nas notícias que são divulgadas
pela mídia em geral ou, mais especificamente, por que motivo as pessoas são tão
fascinadas pela violência e tristeza do seu semelhante?
Infelizmente a sociedade está mais vinculada
à negatividade, “estamos mais sintonizados com o
ruim que com o bom”, contudo, o homem não nasce assim, ele vem
para o mundo puro e despido de qualquer preconceito. O homem, portanto, é bom
por natureza!
A ideia de que o homem nasce com o pecado é
uma crença cristã propagada por Agostinho (354-430), que até hoje ainda tem
aceitação, ainda que o Iluminismo tenha colocado a razão acima da fé, mesmo que
muitos filósofos dessa geração utilizassem a razão apenas para camuflar a devassidão
humana.
Assim, a bondade há muito tempo vem
enfrentando problemas para ocupar seu espaço, sendo que pessoas com essa
qualidade muitas vezes são ridicularizadas e não entendidas, ou seja, é mais
cômodo ser desavergonhado do que bom. Prevalece a lei de Gerson, o jeitinho, a
esperteza.
“Infelizmente,
sempre há aqueles incapazes de sentir vergonha, seja por estarem drogados pelo
poder, seja por pertencerem a uma minoria que nasce com características
sociopatológicas. Esses indivíduos não durariam muito nas tribos nômades.
Seriam expulsos do grupo e deixados sozinhos para morrer. Nas grandes
organizações modernas, porém, parece que os sociopatas estão sempre alguns
passos adiante na ascensão da carreira. Estudos mostram que entre 4% e 8% dos
presidentes corporativos apresentam sociopatia diagnosticável, comparados a 1%
da população em geral.
(...)
Políticos que não se deixam tolher pela vergonha se sentem livres para
fazer o que outros não se atreveriam.”
Contudo, os “humanos são
máquinas ultrassociais de aprendizado. Nós nascemos para aprender, nos
relacionar e interagir”.
Nesse contexto, Bragner, famoso pelo livro “Utopia
para Realistas” (Ed. Sextante, 2014), nos diz que “à medida que
evoluímos para nos tornarmos mais sociais, começamos a revelar mais de nossos
pensamentos e nossas emoções”. Para ele,
“os humanos não têm nada de cara de
paisagem. Estamos constantemente vazando emoções e somos programados para nos
relacionarmos com as pessoas ao redor. No entanto, longe de ser uma
desvantagem, esse é nosso verdadeiro superpoder, pois pessoas sociáveis não
apenas são mais agradáveis para se ter contato como são mais inteligentes.”
Há muito já passamos da selvageria para a civilidade,
não havendo motivos para que o homem retroceda e perca a sua essência de
bondade, cooperatividade, humildade e compaixão.
No início da humanidade, quando o homem
vagava pelo planeta sem preocupação de se fixar em algum lugar, havia mais
solidariedade entre as pessoas, porém, a partir do momento que deixou de ser
nômade, principalmente após desenvolver a agricultura, as guerras começaram a
surgir e a maldade cresceu, afinal, cada um queria defender – e não
compartilhar - o que era seu, e pior, passou a cobiçar o que era do outro e
utilizar a força para fazer valer sua pretensão. Conforme se extrai do livro,
“Clãs
começaram a formar alianças para se defender de outros clãs. Surgiram os
líderes, provavelmente figuras carismáticas, que mostravam coragem no campo de
batalha. Cada novo conflito assegurava mais sua posição. Com o tempo, esses generais
apegaram-se tanto à própria autoridade que não mais abriram mão dela, nem mesmo
em tempos de paz.”
A partir desses aglomeramentos humanos as
catástrofes naturais passaram a fazer mais efeito, visto que no passado as
pessoas simplesmente mudavam de lugar. Agora, porém, tinham que preservar energicamente
aquilo que conseguiram e um vírus passou a ser suficiente para acabar com uma população
inteira. A vida que antes se resumia a comer o que encontrava e viver
livremente, passou a ser restringida pelo trabalho árduo, pela riqueza, e as
pessoas começaram a atribuir aos deuses suas dificuldades. Como se percebe, o
homem foi, gradativamente, afastando-se de sua essência, perdendo sua bondade.
Contudo, como os mistérios da natureza humana
são infindáveis, uma característica que não foi desprezada em todo o período evolutivo
foi a solidariedade.
Por maior que seja a catástrofe, a guerra e a
mortandade, ainda existem pessoas que resgatam sua bondade e conseguem fazer
prevalecer a natureza inata do ser humano: “um exército só
é tão forte quanto os laços de companheirismo entre seus soldados. A arma que
vence as guerras é a camaradagem”.
Em certo momento de seu livro, Bregman nos
diz que a amizade, a lealdade e a solidariedade, são as
melhores características do ser humano. Além delas, acredito que também podemos incluir o amor, o perdão e a sinceridade, requisitos importantes para um relacionamento
sadio entre as pessoas.
Ainda que a mídia e grande governos se
alimentem da torpeza humana, há sempre uma esperança nos homens e sua essência
precisa ser resgatadas. Este novo movimento está em curso. A espiritualidade
vem sendo cada vez mais procurada e a bondade tem dado exemplos de que vale a
pena ser buscada.
Uma forma de encontrar essa essência perdida é o
contato entre as pessoas, afinal, o
“contato
engendra mais confiança, mais solidariedade e mais generosidade recíproca.
Ajuda a ver o mundo pelos olhos dos outros. Ademais, muda a pessoa, pois
indivíduos com um grupo diversificado de amigos são mais tolerantes em relação
a estranhos. E o contato é contagioso: quando alguém vê um vizinho se dar bem
com outros, isso leva a uma reavaliação dos próprios juízos.”
Prova de que as pessoas são boas foi o Natal
de 1914 quando, em plena Primeira Guerra Mundial, soldados britânicos e alemães
deixaram de lutar e atirar um contra os outros para trocar presentes. Chocolates
e charutos foram compartilhados. Uma partida de futebol foi jogada. Piadas e
fotografias foram tiradas por aqueles que alguém disse que eram inimigos.
Os humanos são criaturas sociáveis, leais e
solidárias. É a maldade de alguns que contamina todos e desvirtua sua natureza.
A lição que Bregman nos deixa é de que há solução
para todos, basta resgatarmos nossos valores e cultivar o amor e a amizade.
“Por isso,
seja realista. Seja corajoso. Seja fiel a sua natureza e confie nos outros.
Faça o bem em plena luz do dia e não se envergonhe de sua generosidade. No
começo você pode ser taxado de crédulo ou ingênuo, mas lembre-se de que a
ingenuidade de hoje pode ser o senso comum amanhã.”
Ser bom vale a pena e isso depende de cada
um!
Cristian
Hruschka é advogado e professor. Autor do livro "Na Linha da
Loucura", Ed. Minarete/Legere, 2014.
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