Pular para o conteúdo principal

"Como e por que Ler os Clássicos Universais desde Cedo", Ana Maria Machado


O PRAZER DA LEITURA
Cristian Luis Hruschka

COMO E POR QUE LER OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS DESDE CEDO, Ana Maria Machado, Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2002, 145 pág.


Quem, quando criança, não passou pelo martírio de ler Lucíola ou O Cortiço? Respeitada a importância dos mestres José de Alencar e Aluísio de Azevedo para a literatura brasileira, de valor inestimável, ler obras de tamanha grandeza aos treze anos não é tarefa fácil. Nessa idade a gente quer brincar e se sujar. Subir em árvore e tomar banho de rio. No entanto, fadados a estudar desde cedo, com a obrigação de tirar boas notas, não resta alternativa exceto ler e fazer inúmeras fichas de leitura.

Ana Maria Machado, escritora com mais de cem livros publicados, a maioria deles voltados para o público infanto-juvenil, nos ensina em "Como e por que ler os clássicos universais desde cedo" que a imposição da leitura dissemina o horror ao livro. Para ela “ninguém tem que ser obrigado a ler nada. Ler é um direito de cada cidadão, não um dever.”

Nada mais certo. A leitura deve ser uma ato de prazer, de contentamento, de cumplicidade. O leitor precisa se entregar ao livro, explorando-o, decifrando-o, apaixonando-se. Segundo a autora, a leitura é “um transporte para outro universo, onde o leitor se transforma em parte da vida de um outro, e passa a ser alguém que ele não é no mundo quotidiano.”

Em ritmo de conversa, chegando a dar a impressão de que conhecemos Ana Maria Machado de longa data, "Como e por que ler os clássicos universais desde cedo" nos insere em um mundo de fantasia e aventuras. Dividido em capítulos pontuais, a autora inicia sua jornada versando que um clássico permanece sempre atual, perene, longe da efemeridade de escritores superficiais, que entendo muitas vezes serem produtos da mídia e da propaganda. Versa sobre os clássicos gregos e sua influência em outras obras, tal como fez de forma magistral Monteiro Lobato em O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules. Fala sobre a Bíblia e as lendas do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. Sobre O Senhor dos Anéis (J. R. Tolkien), e o magnífico Dom Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes), que com suas aventuras “questiona o certo e o errado, o direito e o torto, mas também faz com que nos emocionemos com a dimensão da solidariedade humana e da compaixão pelo semelhante, com a sede de justiça e a ânsia do bem.”

O livro ainda aborda os contos de fadas, em grande parte histórias passadas de geração para geração e que depois foram compiladas em antologias. Nesse campo se destacaram Charles Perrault - que imortalizou Chapeuzinho Vermelho, O Gato de Botas, Cinderela - os irmãos Wilhem e Jacob Grimm e Hans Christian Andersen, talvez o mais importante de todos, conhecido como o “pai da literatura infantil”.

O texto também faz honrarias a autores como Jack London (Caninos Brancos, Chamado Selvagem), Robert Luis Stevenson (A Ilha do Tesouro, O Médico e o Mostro), Rudyard Kipling (O Livro da Selva), Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo), Daniel Defoe (Robinson Crusoé), James M. Barrie (Peter Pan), e Lewis Carrol (Alice no Pais das Maravilhas). Fala da importância de Mark Twain, Edgar Alan Poe, Arthur Conan Doyle, Charles Dickens, J. D. Salinger, H. G. Wells, George Orwell e Aldous Huxley. Entre os brasileiros, destaque inquestionável para Monteiro Lobato com Reinações de Narizinho e o fantástico universo do Sítio do Pica Pau Amarelo. Enfim, extensa é a lista de autores e livros citados por Ana Maria Machado.

A autora igualmente atenta para a forma que devemos ler, para a qualidade de nossa leitura. Não basta apenas passar os olhos sobre o livro, de maneira despreocupada e desatenta. É necessário uma leitura contextualizada, uma leitura crítica. Devemos reter na lembrança as aventuras e informações passadas pelos livros para que possamos evoluir e nos tornar mais humanos, sociáveis e intelectualizados. A leitura é indispensável. Povo que não lê é povo submisso, engessado.

Um livro agradável, devendo ter destaque em todas as bibliotecas nacionais, seja pela riqueza de informações ou pela capacidade de incentivar a leitura e importância dos clássicos na juventude brasileira.

__________________

CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com

Comentários

  1. gostei muito, parabéns.
    esse livro é muito recomendado.

    ResponderExcluir
  2. Resenha bem interessante. Trabalho com incentivo à leitura, dentro de uma biblioteca pública. Para mim, é importante ler os clássicos desde cedo. Foi isso que aconteceu comigo. Acho que ter lido Alencar e Machado ainda na infância contribuiu muito para a pessoa que sou hoje.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Outras postagens ✓

"Onde os velhos não têm vez", Cormac McCarthy

SANGUE E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA Cristian Luis Hruschka   McCARTHY, Cormac. Onde os velhos não têm vez , 2ª ed., Rio de Janeiro: Alfaguara, 2023, 229 páginas (Tradução: Adriana Lisboa).   Visceral! Lançado em 2005, o romance “Onde os velhos não têm vez”, de Cormac McCarthy, é violento, direto e sensacional. Falecido em junho de 2023, McCarthy é considerado um dos maiores escritores norte-americanos dos últimos tempos. Ficou conhecido por romances com alto grau de violência e economia de detalhes. O livro “Onde os velhos não têm vez”, reeditado pela Ed. Alfaguara, é prova disso. Ambientado no Texas, na divisa com o México, a trama avança com velocidade, narrando a fuga de Llwelyn Moss (veterano do Vietnã) do “carniceiro” Anton Chigurh, o qual, por sua vez, é perseguido pelo xerife Ed Tom Bell, já com certa idade e desanimado com o aumento da violência na região. Tudo começa quando Moss, durante uma caçada na região árida próxima ao México, se depara com o resul...

"O Mundo de Platão", Neel Burton

O FILÓSOFO ESCRITO   BURTON, Neel. O Mundo de Platão, Ed. Cultrix, 2013, 231 páginas. Tradução de Mario Molina. Muito já se escreveu sobre o filósofo grego Platão, porém, poucas obras reúnem de forma concisa e clara seus diálogos e apresentam um panorama do ambiente em que ele viveu há mais de 20 séculos. O livro escrito pelo inglês Neel Burton apresenta uma proposta diferenciada, abordando a história de Atenas até a elaboração dos famosos diálogos de Platão. Nessa trajetória consegue integrar o leitor ao ambiente da época, familiarizando-o com palavras e expressões muito utilizadas mas pouco compreendidas pelo grande público. De forma suscita, porém objetiva, explica questões pontuais da história como o surgimento da “Cidade-Estado”, as guerras persas com o famoso Leônidas e seus trezentos heróis espartanos, e as guerras do Peloponeso, que resultou no controle de Atenas, rendida, por Esparta. Além do contexto histórico, Burton apresenta os filósofos mais importantes da ép...

"Mossad - Os Carrascos do Kidon", Eric Frattini

EM NOME DE ISRAEL Cristian Luis Hruschka FRATTINI, Eric. Mossad os carrascos do Kidon: a história do temível grupo de operações especiais de Israel. 1a. Ed., São Paulo: Ed. Seoman, 392 pág. Referenciado por uns e considerado por outros como sendo um grupo terrorista de Israel, o Mossad consiste no mais avançado e treinado serviço de investigação israelense. Criado em 1951, teve como proposta inicial vingar os judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente seis milhões, e combater os inimigos de Israel em todo e qualquer lugar do planeta. O "Kidon", por sua vez, é a unidade "secreta"do Mossad, este vinculado ao Metsada, responsável pelas operações especiais de Israel. Sua norma básica de atuação é: "Não haverá matança de líderes políticos; estes devem ser tratados através dos meios políticos. Não se matará a família dos terroristas; se seus membros se puserem no caminho, não será problema nosso. Cada execução tem de ser autoriza...

"O Caminho do Peregrino", Laurentino Gomes e Osmar Ludovico

VISITA À TERRA SANTA Cristian Luis Hruschka GOMES, Laurentino; LUDOVICO, Osmar. O Caminho do Peregrino: seguindo os passos de Jesus na Terra Santa , 1ª ed., São Paulo: Globo, 2015, 198 páginas (Ilustrações: Cláudio Pastro).   Imagine-se em uma praia, à frente de um pequeno barco e com a rede vazia de peixes. Uma pessoa se aproxima e diz para você entrar no mar e lançar novamente a rede que muitos peixes virão e que a partir daquele momento você não deve mais pescar peixes, mas sim homens! Essa pessoa também se intitula filho de Deus, tendo nascido de uma virgem. Você largaria tudo para segui-lo? Nos dias atuais, com recursos tecnológicos à palma da mão, dificilmente você acreditaria em alguém com esse discurso, porém, há dois mil anos, Jesus Cristo se mostrou para a humanidade e cativou seguidores com sua simplicidade, amor e palavras de esperança. O mundo depois Dele nunca mais foi o mesmo. Em um livro curto, Laurentino Gomes, mais conhecido por "1808" e "1822...

"O Útimo Homem Branco", Mohsin Hamid

PROMETE MAS NÃO ENTREGA Cristian Luis Hruschka   HAMID, Mohsin. O Último Homem Branco , São Paulo: Companhia das Letras, 2023, 134 páginas (Tradução: José Geraldo Couto).   Lançado em 2022, o livro de Mohsin Hamid foi recebido como um sucesso de crítica. Nascido no Paquistão, o escritor já viveu na Califórnia, Nova Iorque e Londres, sendo colaborador de jornais como The New York Times e Washington Post. O livro conta a história de Anders, um homem branco que, em certa manhã, ao acordar, “descobriu que tinha adquirido uma profunda e inegável tonalidade marron”. A temática proposta é muito inteligente e gera controvérsias das mais variadas, principalmente quanto à intolerância racial. Escrito de maneira arrastada, o livro não prende o leitor e, na minha singela opinião, assim segue até o final. A ideia de abordar uma questão tão importante, com grande clamor social e por muitos tida como apavorante por colocar em xeque a “supremacia do homem branco”, que estaria ...

"Depois do Último Trem", Josué Guimarães

LITERATURA RECOMENDADA Cristian Luis Hruschka GUIMARÃES, Josué. Depois do Último Trem, 2a. ed., Porto Alegre: Ed. L & PM, 1979, 141 pág. O Estado do Rio Grande do Sul sempre apresentou ótimos escritores. Érico Veríssimo na prosa e Mário Quintana na poesia, com certeza os maiores representantes. Outros estão meio esquecidos, mas suas obras não podem ser deixadas de lado. Josué Guimarães é um deles. Nascido na cidade de São Jerônimo (RS), teve uma vida movimentada. Trabalhou em diversos jornais de âmbito nacional, sendo perseguido durante o regime militar, quando esteve na clandestinidade escrevendo por meio de pseudônimos. Falecido em 1986, deixou um grande número de obras, adultas e infantis. Seus livros de maior expressão são "Enquanto a noite não chega", reconhecido pela crítica como obra máxima, "Dona Anja", "Tambores Silenciosos" e "Camilo Mortágua". Lembrei de seu nome quando estava lendo o artigo do Alberto Mussa no suplemento ...

"O Espião que Saiu do Frio", John le Carré

O REI DA ESPIONAGEM Cristian Luis Hruschka LE CARRÉ, John. O Espião que Saiu do Frio, 8a. Ed., Rio de Janeiro: Ed. Record, 2013, 237 páginas. Tradução: Adelino dos Santos Rodrigues. Britânico, nascido em 1931, John le Carré é um dos maiores escritores do gênero de espionagem. Seu primeiro livro (O Morto ao Telefone) foi lançado em 1961, quase duas décadas após o término da segunda guerra mundial. Integrante do corpo diplomático da Inglaterra, Le Carré trabalhou por muitos anos na Alemanha, em plena guerra fria, sendo boa parte de seus romances ambientados nessa época.  O Espião que Saiu do Frio  é de 1963, quando livros de espionagem faziam muito sucesso impulsionados pelo conhecido James Bond, de Ian Flemming. O agente de Le Carré, porém, é bastante diferente do 007. Muito mais introspectivo e reservado, sem fazer uso de armas espalhafatosas e fantasiosas, o personagem Alec Leamas foi criado com muita técnica e perfeição. Seus diálogos são milimetricamente ...

"Uma Mulher Transparente", Edgard Telles Ribeiro

LEITURA DIÁFANA Cristian Luis Hruschka RIBEIRO, Telles Edgard. Uma Mulher Transparente. São Paulo: Ed. Todavia, 2018, 128 páginas. Autor de mais de uma dezena de livros, Edgar Telles Ribeiro é escritor premiado e com romances traduzidos para diversos países. Diplomata, assim como o pai, nasceu em 1944 e viveu os chamados "anos de chumbo", período conturbado da história brasileira. Seu último livro, "Uma Mulher Transparente", situa a trama durante o regime militar, iniciando alguns anos antes de instaurado o golpe quando o narrador, que escreve verbetes para uma enciclopédia, testemunha um assassinato ocorrido na calçada em frente ao prédio onde trabalha. Anos depois este narrador inicia seu segundo livro onde pretende abordar a morte misteriosa, sob sua ótica, da esposa o antigo chefe (Herculano). No velório deste, encontra um colega de trabalho, dos tempos da enciclopédia, e relata seu novo projeto literário. O amigo, que era muito próximo ao chefe falec...

"O Alienista", Machado de Assis

O ALIENISTA EM QUADRINHOS Cristian Luis Hruschka O ALIENISTA, Machado de Assis, adaptado por César Lobo (arte) e Luiz Antonio Aguiar (roteiro), São Paulo: Ática, 2008, 72 pág. (Clássicos Brasileiros em HQ). “A loucura, objeto de meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente”. (Machado de Assis, “O Alienista”). O ano que passou foi considerado o “Ano de Machado de Assis”, homenagem ao escritor brasileiro por força do centenário de sua morte ocorrida em 29 de setembro de 1908. À guisa de diversas homenagens, muito se falou e comentou à respeito, inclusive no segmento das histórias em quadrinhos. Nessa senda, o trabalho realizado por César Lobo e Luiz Antonio Aguiar, este profundo conhecedor da obra do Bruxo do Cosme Velho (tendo publicado em 2008 o “Almanaque Machado de Assis” – Ed. Record), merece destaque. Em exemplar primoroso, os autores adaptaram a novela “O Alienista”, um dos melhores trabalhos...

"1989: O Ano que Mudou o Mundo", Michael Meyer

RAZÕES PARA A QUEDA DA EUROPA COMUNISTA MEYER, Michael, 1989: O ANO QUE MUDOU O MUNDO: a verdadeira história da queda do muro de Berlim, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009, 247 pág., tradução de Pedro Maia Soares. No final de 2011 estive com minha esposa, Patrícia, em Berlim, capital da Alemanha. Ficamos na parte oriental, anteriormente ocupada pelos soviéticos e que ainda guarda muitas lembranças daquele período. Essa proximidade com a história me despertou o interesse, já aguçado, de conhecer as razões e motivos da queda do comunismo na Europa Oriental. Com o término da Segunda Guerra Mundial a cidade de Berlim estava praticamente destruída. Prédios históricos, igrejas e monumentos devastados, existindo até hoje marcas desse conflito que tanto chocou o mundo. A queda do Reich, por sua vez, causou a divisão da capital alemã, sendo que a metade oriental ficou com os soviéticos, que haviam devastado Berlim vindo de Moscou, e a outra metade (ocidental) foi dividida entre os paí...