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"Outsider", Stephen King

 

KING CONTINUA SEM EMPOLGAR

 

Cristian Luis Hruschka

 

KING, Stephen. Outsider, Rio de Janeiro: Suma, 2018, 523 páginas. Tradução: Regiane Winarski.

 

Lido com Stephen King há mais de 25 anos. Comecei com “Jogo Perigoso” (1992), depois “O Cemitério” (1983), “Insônia” (1994), “A Espera de um Milagre” (2000), coleção “A Torre Negra”, “A Hora do Lobisomem” (1985), “It: a Coisa” (1986), e por aí vai...

 

Sempre muito questionado pela forma da escrita e com pouca aceitação pela crítica especializada, Stephen King ganhou espaço no grande público através das adaptações para o cinema de sucessos literários, tais como “O Iluminado” (1977), “Carrie, a Estranha” (1974), “O Apanhador de Sonhos” (2001), “Doutor Sono” (2013), “Louca Obsessão” (“Misery”,1987) , entre outros livros e diversos contos que resultaram em filmes, como, por exemplo, “Conta Comigo” (Stand by Me, 1986), advindo do conto “O Corpo”. Outros textos renderam séries como, por exemplo, “Sob a Redoma” cujo livro foi lançado em 2009, e “O Nevoeiro”, disponível no Netflix e lançada em 2017.

 

Faz algum tempo eu havia lido “Joyland” (2013), fiquei decepcionado. Depois peguei “Mrs. Mercedes” (2014), da trilogia de Bill Hodges. Animou um pouco, mas quando li “A Pequena Caixa de Gwendy”, que King escreveu com Richard Chizmar, decidi deixar o mestre do terror de lado, estava perdendo a qualidade e o charme dos clássicos.

 

Final do ano passado, porém, ganhei de presente o livro “Outsider” (2018) e, como todo livro que recebemos, deve ser lido, afinal, quem o presenteou pesquisou suas preferências, andou pela livraria procurando um bom livro, é possível que tenha conversado com alguém sobre qual seria o mais recomendado, enfim, teve todo trabalho para encontrar o melhor livro para você. A leitura, portanto, é quase que obrigatória, uma questão de respeito.

 

Pois bem!

 

Despretensiosamente comecei a leitura e, acreditem, o livro foi se tornando cada vez mais interessante. O assassinato brutal de um menino cometido por uma pessoa conhecida em toda a cidade e acima de qualquer suspeita. A prisão cinematográfica, em plena luz do dia e diante de toda a comunidade. Enfim, propostas interessantes para uma boa trama, apimentada pelo fato do acusado apresentar um álibi perfeito, pois, no dia do assassinato, sequer estava na cidade.

 

A trama apresenta o policial Ralph Anderson e conta sua dificuldade em aceitar os fatos, pois, impressões digitais e DNA conferem, porém, testemunhas e imagens mostram que o acusado não poderia ter cometido o crime visto que não estava lá naquele momento.

 

Como se percebe, diversas frentes são abertas e, pouco a pouco, Stephen King vai explorando-as com habilidade. Ocorre que a partir da segunda metade do livro ele perde completamente a mão. O suspense proposto com a existência de um “duplo” sobrenatural que comete os crimes não empolga e a narrativa se torna enfadonha. Parece que passamos a ler outro livro, principalmente após a chegada de Holly Gibney, conhecida dos leitores de King da trilogia Bill Hodges (o livro passa a lançar diversos spoilers dessa trilogia).

 

Parece que até mesmo o autor não vê a hora de terminar o livro, que perde qualidade. Uma dessas situações ocorre nas páginas 470 e 471, quando a cacofonia quase dá um nó na cabeça do leitor.

 

Temos na língua portuguesa um vício de linguagem chamado colisão, que consiste no efeito sonoro desagradável da leitura ou repetição de fonemas consonantais que sejam iguais ou semelhantes. No caso que citei acima, o problema está com a expressão “ele”, sendo que nas páginas mencionadas encontrei inúmeros “eles”, “ele”, “dele”, "aquele”, “naquele”, “ela”, “dela”, “aquela”, sem falar que três parágrafos, dois seguidos, iniciam com a expressão “eles correram”.

 

Mais adiante, na página 512, encontramos um “encarou de frente”, pleonasmo que deve ser evitado na escrita, ainda que muito utilizado na língua falada. Mesmo que colocado para dar mais ênfase na frase é redundante.

 

Isso não pode ocorrer! Denigre a qualidade do livro e a condição do autor.

 

Voltando a trama, o final é de uma simplicidade tremenda, previsível diante do desenrolar dos acontecimentos.

 

Uma pena! Vou ter que deixar Stephen King mais um tempo de lado ou, quando bater a vontade, correr no sebo para buscar seus livros mais antigos, da época em que era o melhor de todos.

 

Obs.: “Outsider” já virou série pela HBO. Estreou em 12 de janeiro de 2020. Quem tiver interesse em ver o trailer acesse https://www.youtube.com/watch?v=zfrycIKsCZo.

 

CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, professor e advogado. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.

 


Comentários

  1. Como sempre, ótimas observações!

    Que bom que voltou a escrever aqui!

    Abraço!

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