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"Loney", Andrew Michael Hurley

LITERATURA GOSPEL
Cristian Luis Hruschka

HURLEY, Andrew Michael, Loney, Rio de Janeiro: Ed. Intrínseca, 2016, 304 pág. (tradução: Renato Marques de Oliveira)

Não sou de comentar livros que não me agradam, contudo, tenho a obrigação de alertá-los quanto a Loney. O livro parece bom, mas não é! Explico: nada há de intrigante no enredo, uma mera sucessão de acontecimentos sem qualquer emoção ou suspense.

Vamos lá. O leitor incauto está na livraria procurando um livro para ocupar seu tempo. Depara com um exemplar lindo, capa dura, sobrecapa primorosa, título em relevo, tudo bem acabado e bonito. Para completar uma recomendação do mestre do terror e suspense, ninguém menos que Stephen King: "Loney não é apenas bom, é sensacional. Uma extraordinária obra de ficção". Mais impressionante é o comentário do The Daily Telegraph: "Passei uma noite em claro lendo Loney, e o livro me assombra desde então".

Bingo! Você achou o livro que procurava. Vai para sua casa, prepara o melhor lugar da sala, faz um café caprichado e começa a leitura. Porém, após algumas páginas (o autor consegue manter um ritmo legal no início, deixando o leitor na expectativa de que algo interessante irá chegar), nada acontece. Você, bom leitor, insiste, esperançoso.

A trama fala sobre um episódio ocorrido com dois irmãos, um deles portador de uma deficiência, algo parecido com um trauma ou autismo (o livro não deixa claro o que se trata), que o impede de falar. Os meninos são levados pela família e um grupo de religiosos para a costa da Inglaterra (Loney), em cujo local, acreditam, Deus irá curar o menino com problemas de comunicação. A tônica religiosa envolve toda a história. Diversos trechos bíblicos são citados e o envolvimento daquelas pessoas com o local considerado místico deixa o leitor na expectativa de que algo sobrenatural irá acontecer. Há a morte inexplicada de um padre muito querido por todos, ocorrida antes de viajarem, e sua substituição por um clérigo que bebe, mas nem isso torna a leitura empolgante. Com o tempo o texto vai se tornando tedioso, monótono, sem qualquer suspense que mereça as referências colocadas na capa do livro.

Há, contudo, que se dar crédito ao autor. Ainda que a história não incentive a leitura, o texto é bem escrito. Tem qualidade, como se verifica pelo trecho abaixo:

"Lá fora, a chuva se intensificou e o corredor ficou às escuras. Eu estava certo de pensar no lugar como um túmulo. O reboco não havia sido pintado, faltava envernizar o madeiramento, como se a casa tivesse sido erguida e abandonada imediatamente depois. Suas paredes jamais haviam contudo uma família, Ninguém nunca havia dado uma risada lá. A casa era dominada por uma espécie de asfixia, um silêncio pesado, que imediatamente lhe dava um ar desconfortável. Nunca mais senti isso em nenhum outro lugar, mas sem dúvida lá havia algo que detectei com uma percepção diferente. Não um fantasma ou algo ridículo do tipo, mas, ainda assim, alguma coisa." (pág. 103).

Enfim, um livro para aproveitar a qualidade da escrita de Andrew M. Hurley, mas não o seu enredo. Existe um certo assombro nas entrelinhas, mas nada que cause entusiasmo. Em última hipótese, parafraseando Gilberto Gil, "andá com fé eu vou, que a fé não costuma faiá"!
__________________

CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com

Comentários

  1. Nossa, eu achava que o livro era bom. Aquele velho ditado, não compre o livro pela capa.
    Obrigado pelo aviso.

    naciadelivros.blogspot.com.br

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    1. É bem isso, Rafael. Não se deixe levar pelas aparências. Abraços e obrigar pelo comentário!

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