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"Geração do Deserto", Guido Wilmar Sassi


A SAGA DOS PELADOS
Cristian Luis Hruschka

GERAÇÃO DO DESERTO, Guido Wilmar Sassi, Porto Alegre: Ed. Movimento, 1982, 175 pág.


Em nova incursão ao sebo (garimpando, garimpando…), encontrei uma pérola da literatura catarinense. Escrito por Guido Wilmar Sassi (1922/2003), e tendo sua primeira edição em 1964, “Geração do Deserto” se apresenta como uma das mais importantes obras de nosso cenário literário.

De forma romanceada, o autor aborda na narrativa a conhecida Guerra do Contestado, evento ocorrido entre 1912 e 1916, envolvendo aproximadamente 20 mil caboclos (pelados), contra as forças constituídas do Governo Federal e Estadual (peludos). A batalha recebeu esse nome por ter sido travada na região de disputa territorial entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, sendo que cidades como Caçador, Lages e Canoinhas (SC), ainda guardam vestígios do conflito.

Com linguagem regionalista e objetiva, o autor nos apresenta a personagens como Boca Rica, Mané Rengo, Liveira, Ricarte Branco, Elias de Morais, o terrível Adeodato (da fase do banditismo, último líder dos caboclos), e São José Maria, que benzia o armamento, “fosse arma de fogo, de ferro ou de pau.”

A trama flui com rapidez e o livro pode ser lido em um só fôlego tamanha é sua capacidade de prender o leitor.

Guido Wilmar Sassi, por sua vez, nasceu na cidade de Lages e foi criado em Campos Novos (SC), tendo posteriormente residido nas capitais paulista e carioca. Ao lado de Tito Carvalho, que introduziu o regionalismo em Santa Catarina, Enéas Athanázio, Edson Ubaldo, Fernando Torkaski e Márcio Camargo Costa, representa o que há de melhor na literatura dos campos gerais. Para Athanázio, Sassi foi quem iniciou o “ciclo do pinheiro” na literatura nacional: “A devastação das matas, a extinção da fauna, o desfigurar da paisagem, as serrarias devoradoras de torras e de homens, fabricantes de aleijões, as alterações dos costumes e da própria linguagem, tudo se reflete na sua obra ficcional. E nesse contexto é amarga, registrando o inconformismo de um escritor sensível aos maléficos passos do homem na trilha da destruição da natureza e dos seres que dela dependem.” (O Regionalismo Passado a Limpo, Ed. Minarete, 1999).

Wilmar Sassi ainda escreveu “Piá”, “Amigo Velho” (contos), “São Miguel” (romance), entre outros livros. Integra diversas antologias e teve trabalhos publicados no exterior, sendo um dos poucos escritores catarinenses com reconhecimento internacional.

“Geração do Deserto” deve ser leitura obrigatória nos colégios de Santa Catarina, seja para melhor compreensão da Guerra do Contestado, seja pela importância literária da obra.

__________________

CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com.br/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com

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