LEITURA DIÁFANA
Cristian Luis Hruschka
RIBEIRO, Telles Edgard. Uma Mulher Transparente. São Paulo: Ed. Todavia, 2018, 128 páginas.
Autor de mais de uma dezena de livros, Edgar Telles Ribeiro é escritor premiado e com romances traduzidos para diversos países. Diplomata, assim como o pai, nasceu em 1944 e viveu os chamados "anos de chumbo", período conturbado da história brasileira.
Seu último livro, "Uma Mulher Transparente", situa a trama durante o regime militar, iniciando alguns anos antes de instaurado o golpe quando o narrador, que escreve verbetes para uma enciclopédia, testemunha um assassinato ocorrido na calçada em frente ao prédio onde trabalha.
Anos depois este narrador inicia seu segundo livro onde pretende abordar a morte misteriosa, sob sua ótica, da esposa o antigo chefe (Herculano). No velório deste, encontra um colega de trabalho, dos tempos da enciclopédia, e relata seu novo projeto literário. O amigo, que era muito próximo ao chefe falecido, lê os primeiros capítulos e permite que sua esposa também opine sobre eles. A esposa do colega é Gilda, a mulher transparente, que sofreu durante a ditadura, sendo humilhada, presa, currada e "enterrada viva", cuja simulação depois se evidenciou:
"— Eu tinha espaço para mover os pés, algum para mover os braços e as mãos, e quase nenhum para mover a cabeça. Eles sabiam o que faziam: tinham colocado um pano dobrado debaixo de minha cabeça. Para que a tampa ficasse a centímetros de meu rosto. Eu podia socar a tampa. Mas aí perdia o fôlego e ficava sem ar.
(...)
— Fui salva pelo olfato! E você nem imagina como ele se aguça na hora da morte. Eu me agarrei ao cheiro. O pânico foi diminuindo. Sem nunca ir embora, é claro. Jamais foi embora. Mas diminuiu o suficiente para eu me controlar. E comecei a pensar: era uma farsa. Para me fazer falar."
O contato do narrador com a protagonista de seu livro (Gilda) é bastante franco, cujos diálogos Ribeiro conduz com muita habilidade, apresentando conversas objetivas entremeadas por reflexões pontuais, mas sem recorrer aos batidos "disse ela", "pensou ele", e expressões equivalentes.
Contudo, passado este contato entre os personagens, a trama perde força, especialmente após a morte de Gilda. É que com o assassinato misterioso da primeira mulher na calçada, a morte "acidental" da esposa do ex-chefe e o falecimento da mulher transparente, tudo tendo como pano de fundo os anos de repressão política, a trama poderia ser melhor explorada. Essa constatação, porém, é relevada se analisarmos o livro não como um romance de mistério - acredito que não seja essa realmente a intenção -, mas sim um romance que instigue no leitor questões de ponderação.
Ocorre que se o objetivo era criar um ambiente de meditação e raciocínios psicológicos, ainda que muito bem escrito o texto (isso é inegável!), o enredo não me parece atingir seu objetivo. Ficamos em uma constante expectativa e no final, com o gancho de um arremate apoteótico, não sabemos qual a relação da mulher assassinada no início do livro com toda a história contada, ficando a certeza de que as três mortes não possuem qualquer relação entre si, pelo menos no aspecto objetivo, material. Como diz o narrador no texto: "O autor é sempre o primeiro a se deixar seduzir por sua ficção. Quando não o único."
Diante de tantos livros que abordam o regime militar, é necessário um diferencial. Uma Mulher Transparente é um livro bom, especialmente pela alta qualidade da escrita, mas certamente não o melhor de Edgard Telles Ribeiro.
_____________
CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.
Cristian Luis Hruschka

Autor de mais de uma dezena de livros, Edgar Telles Ribeiro é escritor premiado e com romances traduzidos para diversos países. Diplomata, assim como o pai, nasceu em 1944 e viveu os chamados "anos de chumbo", período conturbado da história brasileira.
Seu último livro, "Uma Mulher Transparente", situa a trama durante o regime militar, iniciando alguns anos antes de instaurado o golpe quando o narrador, que escreve verbetes para uma enciclopédia, testemunha um assassinato ocorrido na calçada em frente ao prédio onde trabalha.
Anos depois este narrador inicia seu segundo livro onde pretende abordar a morte misteriosa, sob sua ótica, da esposa o antigo chefe (Herculano). No velório deste, encontra um colega de trabalho, dos tempos da enciclopédia, e relata seu novo projeto literário. O amigo, que era muito próximo ao chefe falecido, lê os primeiros capítulos e permite que sua esposa também opine sobre eles. A esposa do colega é Gilda, a mulher transparente, que sofreu durante a ditadura, sendo humilhada, presa, currada e "enterrada viva", cuja simulação depois se evidenciou:
"— Eu tinha espaço para mover os pés, algum para mover os braços e as mãos, e quase nenhum para mover a cabeça. Eles sabiam o que faziam: tinham colocado um pano dobrado debaixo de minha cabeça. Para que a tampa ficasse a centímetros de meu rosto. Eu podia socar a tampa. Mas aí perdia o fôlego e ficava sem ar.
(...)
— Fui salva pelo olfato! E você nem imagina como ele se aguça na hora da morte. Eu me agarrei ao cheiro. O pânico foi diminuindo. Sem nunca ir embora, é claro. Jamais foi embora. Mas diminuiu o suficiente para eu me controlar. E comecei a pensar: era uma farsa. Para me fazer falar."
O contato do narrador com a protagonista de seu livro (Gilda) é bastante franco, cujos diálogos Ribeiro conduz com muita habilidade, apresentando conversas objetivas entremeadas por reflexões pontuais, mas sem recorrer aos batidos "disse ela", "pensou ele", e expressões equivalentes.
Contudo, passado este contato entre os personagens, a trama perde força, especialmente após a morte de Gilda. É que com o assassinato misterioso da primeira mulher na calçada, a morte "acidental" da esposa do ex-chefe e o falecimento da mulher transparente, tudo tendo como pano de fundo os anos de repressão política, a trama poderia ser melhor explorada. Essa constatação, porém, é relevada se analisarmos o livro não como um romance de mistério - acredito que não seja essa realmente a intenção -, mas sim um romance que instigue no leitor questões de ponderação.
Ocorre que se o objetivo era criar um ambiente de meditação e raciocínios psicológicos, ainda que muito bem escrito o texto (isso é inegável!), o enredo não me parece atingir seu objetivo. Ficamos em uma constante expectativa e no final, com o gancho de um arremate apoteótico, não sabemos qual a relação da mulher assassinada no início do livro com toda a história contada, ficando a certeza de que as três mortes não possuem qualquer relação entre si, pelo menos no aspecto objetivo, material. Como diz o narrador no texto: "O autor é sempre o primeiro a se deixar seduzir por sua ficção. Quando não o único."
Diante de tantos livros que abordam o regime militar, é necessário um diferencial. Uma Mulher Transparente é um livro bom, especialmente pela alta qualidade da escrita, mas certamente não o melhor de Edgard Telles Ribeiro.
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CRISTIAN LUIS HRUSCHKA, responsável pelo site www.resenhas-literarias.blogspot.com.br. É autor do livro "Na Linha da Loucura", publicado em 2014 pela editora Minarete/Legere (www.facebook.com/nalinhadaloucura). E-mail: clhadv@hotmail.com.
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